Bom, Bonito e do Bem.
Ativista carioca defende comércio justo sem assistencialismo e com produtos que tenham apelo e qualidade
Quem olha o item "experiência profissional" no currículo de Ana Asti imagina alguém muito mais velha do que a jovem carioca de 31 anos. Sua lista de projetos realmente engana.
Formada em Administração e com mestrado em Ciências Sociais, ela representa a América Latina na Organização Mundial do Comércio Justo (WTFO, na sigla em inglês), coordena uma ONG que defende esse tipo de negócio, ajuda a criar leis sobre o tema e também participa de feiras aqui e no exterior. Durante a Rio à Porter - a área de business do Fashion Rio -, ela apresentou os produtos da "primeira distribuidora de moda brasileira de fair trade" e falou ao Estado sobre o comércio justo, "um mercado que infelizmente ainda não pegou no Brasil, mas que cresce uma média de 30% ao ano".
Muita gente acha que o comércio justo é assistencialismo. Como defini-lo?
É uma forma de comércio baseada em princípios como gerar oportunidade para quem precisa, ter transparência na relação comercial, investir em capacitação, além de respeitar o meio ambiente, a igualdade de gêneros e de condenar o trabalho infantil. Também tem-se como princípio estabelecer relações duradouras entre produtor e comprador - o que prova que este mercado não faz caridade. O produto tem que ser bom e bonito para o consumidor gostar, comprar e voltar a procurar o mesmo fornecedor.
Mas a origem do comércio justo não está relacionada a ajudar a população pobre?
Sim, o conceito surgiu nos anos 60, como um movimento de igrejas e ONGs para diminuir a injustiça no mercado internacional, valorizando o trabalho de pequenos agricultores, costureiras e artesãos. Isso se transformou em um nicho de mercado específico que tem como característica a sustentabilidade.
Como foi esta transformação?
Chegou uma hora em que o produtor sabia que era uma proposta política e social, mas que precisava ter um ganho comercial e, para isso, tinha de vender. O que significa ter qualidade, design e, dependendo do produto, certificação ambiental e orgânica. O produto também tem que trazer um benefício para quem compra. Não existe mais a prática de comprar para ajudar os produtores do hemisfério Sul, como antigamente. Mas esse mercado gera oportunidade para quem precisa e é claro que quanto maior o volume de produção do mercado justo, mais produtores são ajudados.
Quantas pessoas são beneficiadas com esse mercado?
Um milhão de famílias de agricultores e artesãos no mundo participa desse movimento.
Qual a diferença entre economia solidária e comércio justo?
No Brasil são conceitos que caminham juntos. Mas no comércio justo existe uma exigência muito grande com o design e a qualidade do produto. É um mercado internacional e tem um volume de produção muito maior, para vender para uma grande rede, por exemplo. Já a economia solidária tem um trabalho forte de capacitação de mão de obra e desenvolvimento da economia local. São produtos artesanais que podem ser encontrados muitas vezes em feiras de rua.
E o que é a Brasil Social Chic?
É a primeira distribuidora de moda sustentável do País. Com o apoio da Onda Solidária (ONG da qual é vice-presidente), quatro grupos de artesãos e costureiras desenvolveram produtos, como bolsas, roupas e artigos de decoração, que miram o comércio exterior. Agora que conseguimos o financiamento do Sebrae, o objetivo é que eles consigam andar sozinhos.
Quais suas atribuições como representante da Organização Mundial do Comércio Justo?
Represento 70 grupos de comércio justo na América Latina. Fazemos parte de uma rede de produtores, compradores e exportadores. Além de acompanhar os integrantes e certificar seus produtos, cuidamos do desenvolvimento comercial e da promoção do comércio justo local e global.
E quem é o consumidor desse comércio justo?
É o mesmo que consome produtos orgânicos, pois a base nos dois casos é a consciência na hora da compra. São pessoas que se preocupam com a natureza e com o homem e sabem que eles vivem juntos.
Como saber se um produtos que compramos vêm de mão de obra explorada?
Bom senso. Se você vê uma bolsa toda trabalhada que é muito barata, vale a pena parar e pensar se o preço dela paga o custo. Tem produtos que vêm da China cujo preço não cobre nem o transporte da mercadoria. E quem banca este preço é a mão de obra que foi explorada. Este questionamento é o consumo consciente, que infelizmente ainda não pegou aqui. Os brasileiros gostam de comprar barato, mas não pensam que isto implica exploração de pessoas.
Existe selo de certificação de comércio justo?
Hoje a WFTO certifica o produtor e vamos lançar um selo para o produto também. Daqui a três anos, a organização decidirá se o selo será usado somente por seus membros ou se vai virar um selo internacional de certificação de comércio justo independente.
Como será o futuro nessa área?
Eu defendo que o comércio justo cresça além da fronteira das ONGs. Sou a favor da entrada de multinacionais nesse tipo de negócio, desde que, claro, seja para a evolução positiva do setor.
Você está participando da criação da Carta de Princípios de Comércio Justo. De que se trata?
É um projeto de lei que regulamenta o comércio justo no Brasil, com os princípios e critérios que definem a certificação que será usada no País. Apresentamos esse projeto após passar cinco anos consultando grupos produtivos de todo o território nacional para entender o que significa o comércio justo na visão dos brasileiros. Porque não se pode simplesmente importar todo o conceito lá de fora. Temos uma realidade e uma cultura de produção própria.
E qual a importância desta lei em âmbito internacional?
O Brasil pode se tornar o primeiro país a ter uma legislação sobre o comércio justo em todo o mundo e se tornará uma referência no assunto.
Em que pé que está o projeto?
A Carta foi assinada pelo ministro do Trabalho, Carlos Lupi, e está na Casa Civil para avaliação técnica. Depois disso, se der tudo certo, ela vai para o presidente Lula assinar e transformá-la em lei por decreto. Assim como há a lei dos produtos orgânicos, teremos a do comércio justo.
fonte: Alice Lobo - O Estadão de S.Paulo
Em Janeiro de 2010
0 comentários:
Postar um comentário
Deixe seu comment e colabore para expansão do conhecimento coletivo