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Sistema Financeiro Mundial – a economia dos valores fantasma

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Sistema Financeiro Mundial – a economia dos valores fantasma
Países realmente podem falir?

Da Redação Der Spiegel

Os pacotes de resgate que visam escorar os mercados financeiros na Europa estão ficando cada vez mais caros. Uma preocupante depreciação da moeda é inevitável e falências de Estados não podem mais ser descartadas. Poderia a zona do euro também cair vítima da crise financeira global?



"Há um rumor circulando de que os Estados não podem falir", disse recentemente a chanceler alemã, Ângela Merkel, em um evento de um banco privado em Frankfurt. "Este rumor não é verdadeiro."

É claro que ela está certa. Os países podem falir se permitirem que seus gastos deficitários saiam do controle e não puderem mais arcar com o serviço de suas dívidas. Os comentários de Merkel podem ser interpretados como um alerta de que os países precisam manter seus déficits sob controle. A mensagem é: se os governos forem longe demais na tentativa de resgatar as empresas e a economia, eles próprios poderão enfrentar uma insolvência.



Até o momento, os governos nacionais já foram bem longe. Sejam os Estados Unidos ou a Europa, as somas que os governos estão desembolsando para impedir o colapso do sistema financeiro são impressionantes.

A Alemanha sozinha já forneceu garantias de crédito de €42 bilhões para impedir o colapso do Hypo Real Estate de Munique, um poço sem fundo que a maioria agora acredita que terá que ser totalmente nacionalizado. O único obstáculo é uma cláusula legal que limita a participação acionária do Estado nos bancos a 33%. Enquanto isso, o segundo maior banco popular da Alemanha, o Commerzbank, foi resgatado, com o Estado assumindo um quarto das ações da empresa. E o prejuízo de € 4,8 bilhões no último quarto trimestre na principal instituição financeira da Alemanha, o Deutsche Bank, sugere que ele também poderá necessitar de assistência do Estado.

De inconcebível a inevitável



A imagem é ainda mais sombria nos Estados Unidos, onde o economista Nouriel Roubini estima que os prejuízos no setor financeiro totalizarão US$ 3,6 trilhões. No Reino Unido, o governo já nacionalizou em parte o Royal Bank of Scotland e o Lloyds TSB -e muitos especialistas vêem a nacionalização plena como inevitável.



Há poucos que discordam dessas medidas. Caso bancos vitais para o sistema quebrem, o sistema financeiro global poderia sofrer um colapso. Mas quanto os países podem gastar até que a bolha dos gastos deficitários estoure? Um cenário inimaginável? Há menos de um ano, a nacionalização de bancos nos Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido seria inconcebível. Hoje, mesmo os Estados Unidos -lar do capitalismo desenfreado- vêem estas medidas como inevitáveis.



Os empréstimos tomados pelos países para financiar os resgates, programas de estímulo econômico e queda na receita tributária criarão um fardo duradouro. Pior, com a continuidade do declínio no setor bancário, não está claro se esses gastos imensos serão eficazes. Especialmente quando outros países menos estáveis economicamente ao redor da Alemanha estão mergulhando em parafuso.

Veja o exemplo do Reino Unido. O país está à beira da ruína financeira. Os imóveis estão supervalorizados, os lares estão altamente endividados e seu vasto setor financeiro foi duramente atingido pela crise. A confiança na capacidade do Reino Unido de superar a turbulência econômica está diminuindo a cada dia, como ficou evidente com a forte desvalorização da libra, que quase chegou à paridade com o euro. Há apenas 13 meses, ela valia € 1,40.

Uma segunda Islândia



"Eu não investiria dinheiro nenhum no Reino Unido", diz o investidor americano Jim Rogers. E o economista Willem Buiter, um ex-consultor do Banco da Inglaterra, alerta sobre o "risco do Reino Unido se tornar uma segunda Islândia".





Também é possível olhar para o exemplo da Itália, que está caminhando para ingressar em um clube bastante exclusivo -e indesejável. Com 106% do produto interno bruto, a Itália terá o terceiro maior déficit nacional do mundo.



Em um país que há muito tinha uma taxa de poupança sólida, os gastos deficitários não provaram ser um problema muito grande no passado. O maior desafio para o governo era fazer as pessoas se interessarem por comprar títulos a uma taxa de juros estabelecida. O ministro das finanças do país descreveu esse investimento como "o mais sólido e seguro disponível". É claro, nem todo mundo compartilha essa opinião no momento -particularmente nem os próprios italianos. Um título da dívida oferecido em meados de janeiro só encontrou interessados depois que o governo aumentou acentuadamente a taxa de juros oferecida.



Neste ano, Roma teve que pagar € 220 bilhões em títulos de curto prazo. Autoridades financeiras foram citadas como tendo dito que caso um título não encontre interessados, "seria um desastre para o Estado". Em dezembro, o ministro do trabalho italiano, Maurzio Sacconi, alertou que a Itália poderia falir se o país não conseguisse mais vender títulos públicos, por causa da abundância de oferta de outros países. "Isso criaria um problema de liquidez para o pagamento de salários e aposentadorias e acabaríamos como a Argentina."

O Reino Unido como uma segunda Islândia, a Itália como uma segunda Argentina. A Islândia atualmente está praticamente falida e a Argentina se tornou insolvente em 2001. Não é de se estranhar que esses comentários de autoridades públicas estejam deixando as pessoas nervosas. Em nenhum outro momento da história, desde o final da Grande Depressão, o risco de falências nacionais foi tão grande na Europa quanto agora.

Os orçamentos nacionais na maioria dos países membros da União Européia estão em estado miserável. Especialistas financeiros da Comissão Européia em Bruxelas estimam que, apenas neste ano, os gastos deficitários nos 16 membros da zona do euro totalizarão 4% do PIB, com esse número aumentando para 4,4% no próximo ano. O Pacto de Estabilidade do euro, entretanto, permite apenas 3%. A Comissão estima que em 2010, 17 países da UE ultrapassarão esse total. A lista inclui países como a Alemanha (4,2%), França (5%), Espanha (5,7%) e Reino Unido (9,6%). Espera-se que a Irlanda fique no topo da lista com gastos deficitários previstos de 13%.

Essas previsões, é claro, existem apenas no papel por ora. Mas o ministro das finanças da Áustria, Josef Pröll, alerta que "algum dia chegará o dia do pagamento".

Títulos de dívida europeus?



Na semana passada, Pröll e seus colegas formularam um pedido de mudança de curso, dizendo que um estímulo fiscal coordenado era necessário e deveria incluir uma "consolidação orçamentária coordenada" por toda a Europa. Mas como isso ocorreria não está claro.



Em uma audiência perante o comitê econômico do Parlamento Europeu na semana passada, Joaquim Almunia, comissário de Assuntos Econômicos e Monetários da UE, foi fuzilado de perguntas para as quais tinha poucas respostas. Como um primeiro passo, ele sugeriu que seis a oito países deveriam reduzir seus déficits. Mas ele não sugeriu como poderiam fazer isso.



Para alguns governos, consolidação orçamentária é a coisa mais distante de seu pensamento no momento. Em vez disso, esses países estão fazendo tudo o que podem para encontrar formas de assegurar o crédito, que está se tornando cada vez mais difícil. "Países menores estão sendo empurrados para fora dos mercados de crédito porque os países maiores estão tomando bilhões", membros do Parlamento disseram para Almunia. Sua resposta: é verdade, mas não é possível "pôr de lado os mercados de capital".

Visando resolver o problema, o primeiro-ministro de Luxemburgo, Jean-Claude Juncker, que também é o ministro das Finanças de seu país, propôs que os 16 países da zona do euro criassem um "Euro título" comum. Os países menores elogiaram a proposta, mas ela foi recebida com rejeição instantânea por Berlim.

A Alemanha, até o momento, conseguiu tomar empréstimos baratos porque ainda conta com uma excelente classificação de crédito. Se o país enchesse seus cofres oferecendo Euro títulos da dívida, ele teria que pagar € 3 bilhões ou mais neste ano. Pröll, o ministro das finanças austríaco, também pareceu desinteressado, rejeitando os Euro títulos como dando carta branca para a criação de mais dívidas às custas dos outros.

Muitos líderes europeus criticaram a abordagem da Alemanha diante da crise financeira -o país foi lento na implantação de um pacote de estímulo econômico e alguns zombaram da chanceler Ângela Merkel como sendo a "Madame Não". Mas na Alemanha, o governo está preocupado com o risco de uma tomada excessiva de empréstimos e em sobrecarregar as futuras gerações com dívidas. O governo já abandonou seu plano de um orçamento equilibrado até 2011, e Merkel alertou sobre os limites do papel de Berlim em qualquer resgate.

Merkel teme que os resgates sobrecarregarão o governo. Afinal, se a dívida do governo continuar crescendo, em algum momento ele não mais será capaz de pagar os juros. A tomada de empréstimos no valor de € 18,5 bilhões prevista para 2009 já é maior do que a do ano passado, e nesta semana o governo está em processo de aprovação de um segundo pacote de estímulo econômico que, combinado com outros empréstimos, poderia elevar o gasto deficitário de 2009 para a marca de € 50 bilhões. Nenhum outro governo alemão teve que tomar tanto dinheiro em empréstimo.



Para assegurar que futuras gerações não fiquem amarradas a uma dívida imensa, o plano contém uma cláusula que a partir de 2011 canalizará € 1 bilhão por ano das receitas do banco central da Alemanha, o Bundesbank, que antes iam para o orçamento do governo. Atualmente, o Bundesbank injeta € 3,5 bilhões por ano no orçamento. Até 2012, quaisquer lucros no banco ultrapassando € 3,5 bilhões serão destinados ao pagamento da crescente dívida pública.



A maioria dos especialistas acredita que o governo alemão ainda possui espaço para manobra, mas um maior gasto deficitário pode ser inevitável e poucos sabem quanto seria necessário. Berlim poderá em breve estabelecer um ou mais dos chamados "bancos podres", onde as instituições financeiras em dificuldades colocariam seus empréstimos podres -um programa que exigiria uma maior tomada de empréstimos pelo governo.



Um verdadeiro teste para a zona do euro



O governo exercitou um certo grau de cautela nos gastos deficitários nos últimos anos, o que frequentemente faltou em alguns outros países da UE. E os políticos em Berlim relutaram em promover enormes programas de estímulo econômico que poderiam encorajar outros a abandonarem qualquer senso de responsabilidade fiscal.



No passado, um punhado de países membros da UE tomou empréstimos sem pensar duas vezes. Agora, eles foram duramente atingidos pela desaceleração econômica, porque suas classificações de crédito foram rebaixadas e estão sendo forçados a tomar empréstimos a taxas de juros mais altas. Espanha, Itália, Irlanda e Grécia foram atingidas de forma particularmente dura.


Os países que têm que tomar empréstimos tão caros são ameaçados pelo aumento constante das taxas de juros, que por sua vez aumentam suas dívidas. Em resposta, a classificação de crédito cai ainda mais, elevando ainda mais os juros, o que se transforma em um círculo vicioso.

Os especuladores no mercado criam pressões adicionais. As tensões poderiam escalar ainda mais e criar um verdadeiro teste para a zona do euro.

A rede de segurança do euro



Antes de sua adoção do euro, países como Itália, Grécia e Espanha simplesmente desvalorizavam suas moedas em tempos de dificuldades e reduziam suas taxas de juros para aumentar as oportunidades de exportação para suas economias. Atualmente, como membros da zona do euro, esta opção não está mais disponível por causa das regras orçamentárias rígidas que visam assegurar a estabilidade da moeda comum.



O colapso potencial da zona do euro é um assunto altamente debatido recentemente nas rodas do mercado financeiro. Um problema é que o tratado do euro não possui cláusulas que permitam que países altamente endividados abandonem voluntariamente a moeda comum. Mesmo se existissem, entretanto, qualquer país que deixasse a zona do euro apenas exacerbaria seus problemas. Suas classificações de crédito despencariam ainda mais, os empréstimos se tornariam mais caros. E as velhas dívidas teriam que ser quitadas em euro. Em caso de desvalorização da própria moeda, elas ficariam ainda mais caras. O comissário europeu da Alemanha, Günter Verheugen, considera o debate sobre uma saída do euro como "pura propaganda barata contra o euro por parte de especuladores nos mercados anglo-americanos".

Mas o que aconteceria se um país membro da zona do euro falisse? Durante os próximos 24 meses, por exemplo, a Grécia terá que levantar € 48 bilhões para o serviço de dívidas antigas, ao mesmo tempo em que precisa tapar os buracos em seu orçamento.



Se um país como a Grécia se tornar insolvente, ele seria inicialmente poupado das piores consequências da falência por ser membro da zona do euro. O euro perderia parte de seu valor, certamente, mas a economia grega não tem um papel muito grande na Europa e a desvalorização seria limitada.

As consequências para a Grécia também seriam limitadas. Como a moeda permaneceria relativamente forte, não haveria crise no setor varejista, não haveria estocagem especulativa e não haveria mercado negro -em outras palavras, não criaria uma crise econômica maior do que a já existente. Nem levaria a um aumento do desemprego.

Sob o escudo protetor da União Européia, a vida em um Estado falido seria relativamente confortável. A pergunta mais importante, entretanto, é como a UE reagiria.

Cenário de pior caso



Um cenário é que ela poderia declarar a Grécia como sendo um caso excepcional e fornecer empréstimos visando impedir a falência. Mas isso teria consequências desastrosas. Afinal, por que países fracos fariam algum esforço para equilibrar seus orçamentos se soubessem que a UE os resgataria em um cenário de pior caso.



Se a UE permanecesse firme contra a Grécia, isso certamente seria justo em relação aos países membros que praticaram uma disciplina orçamentária equilibrada no passado. Mas isso também seria politicamente insustentável, porque provocaria uma fuga dos investidores de qualquer país que exibisse o menor sinal de não ser capaz de manter o serviço de sua dívida. Eles teriam que continuar aumentando os juros sobre seus títulos, e o vírus da Grécia acabaria por se disseminar ainda mais, levando outros países à falência.

Neste cenário altamente teórico, o euro, de fato, sofreria um colapso. A moeda poderia sobreviver à falência de um país membro, mas não poderia sustentar uma série delas.



Os euro céticos há muito alertam que a tensão dentro da zona do euro poderia destruir a moeda algum dia. Eles agora sentem que suas convicções foram confirmadas -apesar desses cenários mencionados ainda estarem longe da realidade.



A própria Alemanha tem pouca dificuldade em levantar dinheiro. Mas mesmo aqui, diante dos rombos multibilionários no orçamento nacional, os investidores estão lentamente ficando nervosos em relação aos títulos da dívida alemã. Muitos investidores inseguros estão começando a perguntar "o que o futuro reserva para países com classificação AAA", diz o analista da Moody's, Alexander Kockerbeck. Especialistas da empresa de classificação americana já estão alimentando seus computadores com cenários de pior caso. Em um, eles inseriram dados de teste para 2010 e 2011 presumindo uma retração da economia de 3% a cada ano. Neste modelo, o déficit nacional subiria rapidamente dos atuais cerca de 70% para 80% do PIB.

"O fardo dos juros seria de cerca de 7% da receita do governo", disse Kockerbeck, dizendo que a Alemanha ainda conseguiria preservar sua alta classificação de crédito. Mas se esse número subir para 10%, o país poderia perder a melhor classificação, porque seus custos de financiamento subiriam.



A agência de classificação de crédito concorrente, Standard & Poors, que na semana passada rebaixou a classificação da Espanha, mantém uma posição semelhante. O analista Kair Stukenbrock confirmou na semana passada a classificação AAA da Alemanha. Ele também disse que atualmente presume "que a economia alemã e o orçamento do governo podem suportar a atual crise financeira sem perder sua classificação de crédito".

Estrangulado pelo pagamento de juros



Em tempos normais, presumindo que um país tenha uma classificação de crédito sólida e uma boa economia, a tomada de empréstimo é rotineira. A Alemanha emite rotineiramente títulos de curto e longo prazo que pagam juros. Eles podem ter qualquer duração entre um dia e 30 anos. Mas alguns outros países, como a Espanha e a França, emitem até mesmo títulos de 50 anos. A maioria deles é vendida por leilões -e quanto mais alto o preço, mais barato é para os países tomarem empréstimo, mas isso também reduz os lucros para os investidores.



O pagamento da dívida é bem mais complicado. No caso mais simples, o país apenas quita a dívida. É extremamente raro, é claro, um país fazer isso. Na maioria dos casos, os países renovam suas dívidas em vez de quitá-las -e ao fazê-lo eles criam uma nova dívida. Hoje, o governo alemão tem que pagar € 43 bilhões por ano em juros. É a segunda maior despesa no orçamento federal atrás dos gastos sociais.



Mas isso poderá mudar rapidamente. Se, por exemplo, as taxas de juros subirem aos níveis de 1995, o país poderia se ver diante de € 20 bilhões adicionais em pagamentos, e isso sem levar em conta qualquer nova dívida. É claro, dada a natureza da atual crise, o fardo da dívida aumentará. Ninguém sabe quanto, nem como o país poderá eliminar essa dívida antes que ele comece a ser estrangulado pelo pagamento de juros.

Uma forma de pagar a dívida, é claro, é por meio de cortes imensos de gastos e programas austeros de poupança. Mas isso é difícil. Muito mais atraente é a rota da inflação. O Estado pode simplesmente imprimir dinheiro e pagar suas dívidas. Ou o banco central imprime dinheiro e o injeta na economia. A moeda é desvalorizada, mas o Estado não se importa porque isso facilita o pagamento de suas dívidas.



Independente de como o país escolha pagar sua dívida, serão os contribuintes que terão que arcar com a conta no final. De fato, o único momento em que é possível quitar o déficit por meio da poupança do governo é durante períodos de boom, períodos em que o governo pode elevar impostos, ou se puder reduzir seus gastos.

“As pessoas também pagam o preço da inflação porque à medida que a moeda é desvalorizada, os preços aumentam”.


Até agora, o processo tem sido sutil. Desde o final dos anos 90, os principais bancos centrais nos Estados Unidos e Europa triplicaram o volume de dinheiro em circulação. Nos últimos meses, o volume de dinheiro em circulação nos Estados Unidos e Europa aumentou quase 50%.

Fenômeno universal



Os bancos centrais estão tentando usar a enxurrada de liquidez para prevenir um colapso do sistema financeiro global e, consequentemente, das economias. Ao mesmo tempo, eles também podem estar abrindo o caminho para a próxima crise. O dinheiro já está insanamente barato: o Federal Reserve (Fed, o banco central) americano já reduziu sua taxa de juro chave para quase zero e o Banco Central Europeu já a reduziu a 2%. É extremamente provável que as taxas de juros sejam reduzidas ainda mais.



Mas se os pacotes de resgate surtirem efeito e a economia começar a se recuperar, então os bancos centrais aumentarão novamente as taxas de juros -caso contrário seríamos ameaçados por uma onda imensa de inflação e uma próxima crise, ainda pior, seria inevitável. Mas a ação poderia também levar muitos países altamente endividados à falência.

Em um estudo feito pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), os economistas americanos Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff pesquisaram as crises financeiras dos últimos 800 anos e concluíram que falências do Estado eram um "fenômeno universal". Muitos países, na verdade, faliram mais de uma vez.

Entre 1500 e 1800, a França se tornou insolvente oito vezes. A Espanha faliu sete vezes durante o século 19. A insolvência é um fenômeno comum em cada período da história, eles concluíram, e seria errôneo pensar que falências do Estado são uma "característica distinta do mundo financeiro moderno".

Nada mais é inimaginável



Na maioria dos casos, os cofres do país foram esvaziados pela guerra. Mas em cada caso, os países conseguiram se recuperar da ruína. Eles provaram ser incrivelmente cheios de recursos no uso de suas ligações com bancos, empresas e, especialmente, com a população.



A solução mais simples para os Estados era simplesmente se recusar a pagar suas dívidas. Em 1557, o rei Felipe 2º da Espanha se recusou a pagar as dívidas de seu país após suas caras batalhas militares contra a Holanda e os otomanos. Foi uma decisão que prejudicou seriamente os bancos mutuantes em Augsburgo, Alemanha, e eles nunca se recuperaram plenamente.



Mesmo após a Revolução, os novos regentes da França foram ainda mais longe. Eles expropriaram propriedades das igrejas, de grandes latifundiários e executaram alguns mutuantes.



Uma opção igualmente brutal foi ir à guerra visando saquear as áreas ocupadas. Mas esses métodos de consolidação orçamentária tendiam a acontecer apenas quando as coisas começavam a entrar em colapso. Mesmo no passado, a inflação era o método preferido de lidar com a dívida. Eles criavam mais dinheiro e o desvalorizavam. É um método que foi adotado já na Roma antiga, quando os romanos desvalorizavam suas moedas usando menos metais preciosos nelas. Isso se tornou uma prática padrão. Em Viena, o conteúdo de prata na moeda de Kreuzer foi reduzido em 60% entre 1500 e 1800, e o pfennig de Augsburgo perdeu mais de 70% de seu valor.

Assim que o papel moeda foi introduzido, o processo foi ainda mais simplificado, já que bastava imprimi-lo. O primeiro país a começar a imprimir dinheiro em grande escala foi a França, no século 18, quando precisou pagar a montanha de dívida acumulada por Luís 14. Em tempos de crise, os governos franceses sempre caíram nessa tentação.

O alerta da hiperinflação



Em 1914, com o início da Primeira Guerra Mundial, o Reich alemão também começou a desatrelar sua moeda do ouro. Até então, qualquer um podia trocar o papel moeda por metais preciosos. A desvinculação da moeda fez com que a quantidade de dinheiro em circulação subisse de 13 bilhões para 60 bilhões de marcos no final da guerra, enquanto os produtos em oferta foram reduzidos em um terço. Os preços dispararam.



O desenvolvimento desastroso atingiu seu pico em 1923, com a hiperinflação. O dólar na época chegou a valer 4,2 trilhões de marcos. As notas bancárias eram impressas em 130 gráficas privadas, freqüentemente em apenas um lado do papel para economizar tinta. A única forma de deter a desvalorização em massa era a troca da moeda.

Em novembro de 1923, o governo emitiu o chamado rentenmark. A moeda anterior podia ser trocada a uma taxa de 1 trilhão de marcos para 1 rentenmark. A inflação parou rapidamente. As pessoas falavam do "milagre do rentenmark". Mas a verdade é que ele eliminou as economias e investimentos de grande parte dos alemães de classe média, enquanto os ricos foram forçados a financiar a guerra comprando títulos do governo que agora não valiam nada. Os bancos e seguradoras também perderam seu capital. O maior vencedor, além das pessoas que tinham empréstimos e hipotecas que não conseguiam mais pagar, foi o governo. Sua dívida da guerra encolheu até se tornar insignificante.



“Esses eventos traumáticos permanecem como parte da memória coletiva da Alemanha e alimentam um temor latente da hiperinflação até hoje. As pessoas precisam temer?”

Por ora não. Em comparação a muitos outros países, a Alemanha está bem posicionada para enfrentar a crise. A economia nos últimos anos vinha mais forte do que a de outros países membros da UE e ela não era tão dependente do setor financeiro quanto o Reino Unido. E diferente dos Estados Unidos, ela não é dependente de mutuantes estrangeiros.



A Islândia, por sua vez, já está praticamente falida. No Leste Europeu, vários países estão cambaleando -a Letônia já teve que pedir ajuda ao FMI e ao Banco de Desenvolvimento do Leste Europeu. Na capital, Riga, 40 pessoas ficaram feridas em um protesto violento que ocorreu em 13 de janeiro.



O Reino Unido também está em apuros. E se não fosse pela proteção que sua adoção da moeda comum lhes confere, alguns países da zona do euro estariam no momento lutando pela sua sobrevivência. Os Estados Unidos, por outro lado, estão explorando o fato de ainda serem considerados estáveis apesar de seus problemas enormes -e o fato dos chineses serem detentores de uma parcela imensa de suas reservas de moeda estrangeira na forma de títulos americanos.



A situação melhorará? Seria uma ilusão acreditar que os países aprenderam com seus erros do passado, alertaram os economistas americanos Reinhart e Rogoff. De fato, outro Estado poderia falir a qualquer momento e levar sua população consigo.



Nesta crise, nada mais é inimaginável.


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Tradução: George El Khouri Andolfato

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