Viradão Carioca – nossos Chicos daqui são outros...
Fiz alguns registros na grande festa que o Rio de Janeiro celebrou neste último final de semana – O Viradão Carioca – que provou a todos como somos ricos e diversos culturalmente, que gostaria de dividir com vocês leitores [tem alguém aí?]. Fiquei emocionado com algumas performances, tentei captar com meu celular alguns desses momentos que, apesar da baixa qualidade sonora, vale a pena curtir as imagens de artistas que prestaram uma grande homenagem a diversidade cultural na cidade maravilhosa.
Edição do viradão carioca homenageia Chico Xavier |
Chico Xavier ou Chico Sciense?
Charlie Brown Jr
Speedfreaks
Nesta mesma semana na cidade só se falava, ou pelo menos só se via na televisão, o bafafá entorno do filme de Chico Xavier
Francisco Cândido Xavier, conhecido como Chico Xavier (1910 - 2002), espírita brasileiro [Biografia], o viradão cultural veio para abafar a falta de outros assuntos na cidade. Não desmerecendo o trabalho belíssimo de Chico, mas os nossos Chicos aqui foram outros, e neste viradão os mais lembrados foram o rapper Speed – importante na cena hip-hop underground e mais tarde no rap nacional- e o sempre celebrado Chico Science, este mais do que todos, me motivaram a escrever este post.
From Mangue bit to Manguebeat
Onde tudo começou?
Chico Science e Nação Zumbi
Caranguejos com cérebro
O manguezal – the mangrove or man groove?
Abalando as estruturas de poder
Referências
Contradições
Comumente parafraseado nas canções de artistas consagrados das mais diversas vertentes, entre eles Gilberto Gil e no viradão por Marcelo D2, Chico Science merece respeito e menção honrosa em todo movimento de celebração cultural. Sua história precisa ser repetida sem reservas para imprimirmos nossa verdadeira identidade, qualificar e entender todo o coletivo criativo que está presente nas questões desenvolvidas por nossos talentosos artistas, críticos sociais, pensadores e contestadores de qualquer sistema estabelecido, mas imperfeito. Como Speed, Marcelo D2, B.Negão e Black Alien, O Rappa e muitos outros contemporâneos, Chico Science soube expressar com sua cultura local a poesia criativa simples original, antes visto somente em movimentos como a tropicália e o swing sincopado original da bossa nova, a universalidade dos desejos de uma geração.
“Samba maioral!
Onde é que você se meteu antes de chegar na roda meu irmão?
A responsabilidade de tocar o seu pandeiro é a responsabilidade você manter-se inteiro
Por isso chegou a hora desta roda começar
Samba Makossa da pesada, vamos todos celebrar
Cerebral, é assim que tem que ser
Maioral, é assim que é
Som da cabeça e foguete do pé
Samba makossa sem hora marcada, é da pesada
Samba, samba, samba, samba, samba, samba, samba!
Vamos todos celebrar!”
Marcelo D2 lembrou Speed
"Conheço ele há 25 anos, nem lembro como foi que a gente se conheceu. Ele era um cara muito intenso, e me incentivou muito a começar a cantar", recorda D2.
'Cara de artista'
O rapper gravou faixas com Speed em seu trabalho solo, incluindo uma inédita que ficou de fora de seu último álbum, "A arte do barulho", de 2008. Apesar do clima de luto, D2 lembra de bons momentos ao lado do amigo.
"Quando a gente estava começando, não tinha grana, queríamos entrar em uma festa de graça. Ele chegou pra mim e disse 'me imita que a gente entra. Enche o peito e faz cara de artista que a gente passa'. Deu certo. Até hoje a gente fazia essa brincadeira um com o outro: 'Faz cara de artista!'", recorda.
Outros colegas do rapper, como o paulistano Kamau, também lembraram da importância de Speed. "Ele foi um pé na porta, trouxe uma nova linguagem para o rap. Ele tinha muita coisa para contar. Com certeza serviu como referência".
Daniel Ganjaman, produtor musical e membro do coletivo Instituto, conta que Speed foi importante na história do rap brasileiro. "[A morte foi] lamentável, inacreditável. Acho ele um dos caras que tinha as letras mais inteligentes do rap no Brasil, ao lado do Black Alien. A parceria dos dois foi histórica. Na época que eles apareceram, há dez, quinze anos atrás, não tinha nada de parecido. Se você ouvir até hoje, é algum incrivelmente atual. Além disso ele era um grande músico, baixista fenomenal, um autodidata"
"Eu era comissário de bordo, larguei meu emprego, há 17 anos, para viver da música por causa dele (o Speed). Eu estava aprendendo música com ele, que sempre me ensinou", disse, emocionado, o rapper Black Alien, ex-integrante do Planet Hemp.
Speedfreaks já gravou com famosos
DJ Speed |
Speed, ou Speedfreaks (gíria em inglês para viciados em anfetamina), começou no rap ao lado de Black Alien, produzindo faixas com influências de reggae e rimas aceleradas. O rapper já gravou com Marcelo D2 e Fernanda Abreu, e recentemente trabalhava em parcerias com De Leve.
No microblog Twitter, amigos do músico expressam mensagens de carinho. “Estou muito triste! O Brasil perde mais um músico genial por conta da violência urbana. Descanse em paz, Speed. Sua vida foi muito intensa”, escreveu o produtor musical Daniel Ganjaman. B Negão e Gustavo Black Alien, entre outros amigos de Speed, estiveram no velório prestando homenagem ao rapper.
The Mangue Bit
Remix dos álbuns de estréia do movimento Manguebeat |
(Redirected from Manguebeat)
The manguebeat movement was a cultural movement created circa 1991 in the city of Recife in Northeast Brazil in reaction to the cultural and economical stagnation of the city. The movement largely focuses on music, with the result being a mixture of local traditional styles such as maracatu and ciranda) with the imported culture of the MTV generation (rock, rap and hip-hop).
The movement has its own manifesto, Caranguejos com Cérebro (or "Crabs with Brains" in English), written in 1992 by singer Fred 04 and DJ Renato L. Its title refers to Recife's inhabitants as crabs living in Recife's swamp and mangrove environment. A major symbol associated with mangue bit is that of an antenna stuck in the mud receiving signals from all over the world.
Mangue bit can be divided into two distinct waves: the first in the early 1990s led by the music groups Chico Science & Nação Zumbi (Zumbi's Nation) and Mundo Livre S/A (Free World Inc.), and the second in the early 2000s led by Re:Combo (a copyleft movement that uploads half-sampled music for download) and Cordel do Fogo Encantado (a music group that started as a roving theatre troupe with roots in a form of literature known as literatura de cordel ("twine literature")).
The original movement named itself mangue bit, mangue referring to Recife's mangroves and bit to the computer bit central to the movement's electronic music influences. Since then, mangue bit has far more commonly, albeit mistakenly, been referred as mangue beat.
Nowadays there are some bands that include this references, like Mundo Livre S/A, Chico Science & Nação Zumbi, Sheik Tosado, Mestre Ambrósio, Eddie, Mombojó, Via Sat, Querosene Jacaré, Jorge Cabeleira e Caiçara,LOS SEBOSOS POSTIZOS,ORQUESTRA CONTEMPORÂNEA DE OLINDA.
Artistas da cena musical de Recife anos 90 |
Manguebeat
(também grafado como manguebit ou mangue beat) é um movimento musical que surgiu no Brasil na década de 90 em Recife que mistura ritmos regionais, como o maracatu, com rock, hip hop e música eletrônica.
legenda: bandeira Pernambuco estilizada
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Esse estilo tem como ícone o músico Chico Science, ex-vocalista, já falecido, da banda Chico Science e Nação Zumbi, idealizador do rótulo mangue e principal divulgador das idéias, ritmos e contestações do Manguebeat. Outro grande responsável pelo crescimento desse movimento foi Fred 04, vocalista da banda Mundo Livre S/A e autor do primeiro manifesto do Mangue de 1992, intitulado "Caranguejos com cérebro".
O objetivo do movimento surgiu de uma metáfora idealizada por Zero Quatro, ao trabalhar em vídeos ecológicos. Como o mangue é o ecossistema biologicamente mais rico do planeta, o Manguebeat precisava formar uma cena musical tão rica e diversificada como os manguezais. Devido a principal bandeira do mangue ser a diversidade, a agitação na música contaminou outras formas de expressão culturais como o cinema, a moda e as artes plásticas. O Manguebeat influenciou muitas bandas de Pernambuco e do Brasil, sendo o principal motor para Recife voltar a ser um centro musical, e permanecer com esse título até o momento.
Com o surgimento de várias bandas no cenário recifense, gravadoras como Sony, Virgin e outras famosas, deram início a uma contratação de bandas que se incluíam nesse cenário Mangue.
Notáveis bandas do gênero manguebeat incluem Mundo Livre S/A, Chico Science & Nação Zumbi, Sheik Tosado, Mestre Ambrósio, Eddie, Mombojó, Via Sat, Querosene Jacaré, Jorge Cabeleira e Caiçara.
Capa dos principais albuns musicais |
Search for more:
(Portuguese) Caranguejos com Cérebro Manifesto (original manifesto)
(English) Crabs with Brains (the manifesto translated into English)
http://trama.uol.com.br/mundos/brasileiro/atitude/mangue/
http://www.manguetronic.com.br
http://letras.terra.com.br/nacao-zumbi/
http://letras.terra.com.br/mundo-livre/
Dez anos após morte, família de Chico Science recebe indenização
Dez anos após a morte do cantor e compositor Chico Science em acidente de carro, a família do pernambucano fechou acordo com a Fiat e recebeu indenização por danos morais e materiais.O valor pago não foi revelado pelas partes por estar sob segredo de Justiça. Segundo o advogado da família, Antônio Campos, foi a maior indenização paga a pessoa física pela indústria automobilística do país.
Francisco de Assis França, conhecido como Chico Science, morreu em 2 de fevereiro de 1997, aos 30 anos, em acidente de carro entre os municípios de Recife e Olinda.
Perícia feita no Uno Mille que o cantor conduzia sozinho revelou que a fivela metálica do cinto de segurança se rompeu no impacto com um poste, ocorrido na lateral oposta a do motorista.
Há oito anos, a família de Chico Science entrou na Justiça contra a Fiat, com pedido inicial de indenização de R$ 48 milhões.
O pagamento de indenização já havia sido determinado pela Justiça pernambucana em 2004. Em 2005, a Fiat perdeu recurso no STJ (Superior Tribunal de Justiça). Desde então, o processo estava em fase de liqüidação de sentença (definição do valor a ser pago). O valor foi acertado em dezembro de 2006, em duas reuniões de conciliação entre as partes.
A assessoria de imprensa da Fiat confirmou que houve acordo. Ressaltou, contudo, que em nenhum momento a empresa reconheceu culpa pelo acidente --na época, a empresa atribuiu o rompimento do cinto à violência do impacto.
Perícia
Segundo o advogado Campos, peritos do Tribunal de Justiça de Pernambuco apresentariam em juízo um laudo sugerindo R$ 15,9 milhões para a indenização, tendo por base mais 20 anos de produção artística do cantor, que estava no auge da carreira. "Mas o acordo foi fechado antes do laudo ser apresentado."
A família e a Fiat não revelam o valor da indenização. Apenas informaram que ficou abaixo de R$ 10 milhões. Metade vai para a filha do cantor, de 16 anos, e a outra metade vai para os pais dele.
A mãe do cantor, Rita Marques de França, não quis comentar valores de indenização. "Não estou sabendo de nada. Está tudo nas mãos do advogado", disse.
Nesta sexta-feira, a família participou de celebrações pelos dez anos de morte de Chico Science. "Para mim é como se fosse o primeiro dia. A tristeza vai diminuindo, mas a saudade vai aumentando", disse a mãe.
Fonte: Renata Baptista da Agência Folha
Tudo começou na Orla Orbe.
Não é nenhum barzinho à beira-mar do Recife, mas o nome da primeira banda da qual Francisco de Assis França fez parte, nos idos de 1987. Nessa época, ele ainda não era Chico Science, mas sua inventividade já se anunciava, alimentada pela participação, três anos antes, na Legião Hip Hop, um grupo de dança de rua no qual grafiteiros, músicos e dançarinos curtiam o melhor da música negra norte-americana.
A black music também era a base do Loustal, grupo posteriormente formado por Chico e seus amigos Lúcio Maia e Alexandre Dengue. O nome é homenagem ao quadrinista francês Jacques de Loustal, cujo trabalho era apreciado por Chico. O hip hop da Legião e o funk e o soul da Orla Orbe eram alguns dos elementos misturados pelo Loustal, que se utilizava também de rock e ska. No início de 91, Chico Science entrou em contato com o Lamento Negro, um bloco afro que trabalhava com educação popular no centro comunitário Daruê Malungo, periferia do Recife.
O vigor da percussão chamou a atenção do cantor, que começou a trilhar rumo distinto, misturando num mesmo balaio black music e música de raiz, como maracatu e coco de roda - eis aqui o embrião do que se batizou manguebit. Nesse mesmo ano, nada mais de Orla Orbe ou Loustal, a galera atendia pelo nome de Chico Science e Lamento Negro: a Chico (voz), Lúcio (guitarra) e Dengue (baixo) juntaram-se Toca Ogam (percussão/efeitos), Canhoto (caixa), Gira (tambor), Gilmar Bola 8 (tambor) e Jorge du Peixe (tambor). Canhoto não ficou muito tempo, sendo substituído por Pupilo. O público assistiria, em junho, ao primeiro show da banda - já conhecida como Chico Science e Nação Zumbi (CSNZ) - no Espaço Oásis, em Olinda. A partir daí, várias outras apresentações aconteceram, junto com outros grupos do Recife como o mundo livre s/a. A turma reunia os tipos mais diversos, músicos, jornalistas, artistas plásticos, punks... O elo entre todos era o gosto por música, fosse qual fosse o tipo ou a origem. Os jornais locais começavam a abrir espaço e a designar a cena musical que fervilhava no Recife sob o rótulo de mangue ou manguebit. Uma coletânea começou a ser elaborada em 92, com músicas de CSNZ e mundo livre s/a, batizada de Caranguejos com Cérebro - o mesmo nome de um manifesto escrito por integrantes do manguebit. O projeto não deu certo e as bandas se organizaram para fazer uma pequena excursão pelo Brasil. Três shows em São Paulo e Belo Horizonte foram suficientes para chamar a atenção de crítica e público e para fazer a Sony Music elaborar uma proposta de contrato. No final do ano, o grupo entrava no estúdio Nas Nuvens acompanhado do produtor Liminha para gravar o primeiro disco.
No início de 91, Chico Science entrou em contato com o Lamento Negro, um bloco afro que trabalhava com educação popular no centro comunitário Daruê Malungo, periferia do Recife. O vigor da percussão chamou a atenção do cantor, que começou a trilhar rumo distinto, misturando num mesmo balaio black music e música de raiz, como maracatu e coco de roda - eis aqui o embrião do que se batizou manguebit.
Nesse mesmo ano, nada mais de Orla Orbe ou Loustal, a galera atendia pelo nome de Chico Science e Lamento Negro: a Chico (voz), Lúcio (guitarra) e Dengue (baixo) juntaram-se Toca Ogam (percussão/efeitos), Canhoto (caixa), Gira (tambor), Gilmar Bola 8 (tambor) e Jorge du Peixe (tambor). Canhoto não ficou muito tempo, sendo substituído por Pupilo. O público assistiria, em junho, ao primeiro show da banda - já conhecida como Chico Science e Nação Zumbi (CSNZ) - no Espaço Oásis, em Olinda. A partir daí, várias outras apresentações aconteceram, junto com outros grupos do Recife como o mundo livre s/a. A turma reunia os tipos mais diversos, músicos, jornalistas, artistas plásticos, punks... O elo entre todos era o gosto por música, fosse qual fosse o tipo ou a origem. Os jornais locais começavam a abrir espaço e a designar a cena musical que fervilhava no Recife sob o rótulo de mangue ou manguebit.
Orla Orbe foi a primeira banda de Chico Science, criada em 1987. Feito à mão e com foto xerocada, do primeiro show do grupo, em Recife. |
Uma coletânea começou a ser elaborada em 92, com músicas de CSNZ e mundo livre s/a, batizada de Caranguejos com Cérebro - o mesmo nome de um manifesto escrito por integrantes do manguebit. O projeto não deu certo e as bandas se organizaram para fazer uma pequena excursão pelo Brasil. Três shows em São Paulo e Belo Horizonte foram suficientes para chamar a atenção de crítica e público e para fazer a Sony Music elaborar uma proposta de contrato. No final do ano, o grupo entrava no estúdio Nas Nuvens acompanhado do produtor Liminha para gravar o primeiro disco.
Da Lama ao Caos chegou ao mercado nacional em 94. O CD conseguiu arrebatar os críticos dos principais cadernos culturais do Brasil, levando também o público ao delírio, apesar de, em algumas faixas, deixar de lado a força que a Nação Zumbi demonstra no palco. Mas os shows não eram mais problema: a banda começou a excursionar e mostrar as histórias do mangue mundo afora. Participando de festivais nos Estados Unidos ou fazendo shows pela Europa, CSNZ foram deixando sua marca por onde passavam, preparando o terreno para novas idéias - e para o novo disco.
Um grupo mais maduro voltou ao Nas Nuvens em 96, para gravar Afrociberdelia. Deixando o produtor de lado e assumindo o comando do disco, a Nação deixou que pitadas eletrônicas permeassem o CD, que conta com diversas participações especiais, entre elas Gilberto Gil, Fred 04 (mundo livre s/a) e Marcelo D2 (Planet Hemp). A estrada foi a casa da banda durante esse ano: novamente Estados Unidos, novamente Europa, novamente o Brasil - e todos se impressionavam com o batuque dos tambores de Chico Science e Nação Zumbi.
O ano de 97 chegou para mudar radicalmente a trajetória da banda. Num acidente de carro na fronteira entre o Recife e Olinda, Chico Science morreu, às vesperas dos shows que o grupo faria no carnaval. A estupidez do fato chocou a todos e fãs desolados choravam em todo o País, questionando a injustiça: por que morrer, aos 33 anos, um cara que ainda tinha tanto para fazer, que tinha muito a dizer? A precocidade, antes de mais nada, colocou o nome de Chico no panteão dos artistas-mito.
A Nação Zumbi, no entanto, se viu zonza, perdida, e levou bom tempo para achar o norte novamente. Muito se especulou sobre a continuidade da banda: uns diziam que seria impossível sem o vocalista, outros acreditavam que, se continuassem, não chegaria aos pés do que o grupo era com Chico nos microfones. Depois de um "CD tributo" - CSNZ, de 98 -, o grupo lançou no ano passado o disco Rádio S.AMB.A. Saindo da supervisão de uma grande gravadora, o disco foi autoproduzido e saiu pela Y?Brazil Music: elogios e críticas apareceram, exaltando o fôlego da Nação de seguir adiante, longe da sombra de Chico Science.
Discografia
Afrociberdelia - 1996
- Mateus enter
- O cidadão do mundo
- Etnia
- Quilombo groove
- Macô
- Um passeio no mundo livre
- Samba do lado
- Maracatu atômico
- O encontro de Isaac Asimov com Santos Dumont no céu
- Corpo de lama
- Sobremesa
- Manguetown
- Um satélite na cabeça
- Baião ambiental
- Sangue de bairro
- Enquanto o mundo explode
- Interlude zumbi
- Criança de domingo
- Amor de muito
- Samidarish
- Maracatu atômico (atomic version)
- Maracatu atômico (ragga mix)
- Maracatu atômico (trip hop)
Da Lama ao Caos - 1994
- Monólogo ao pé do ouvido
- Banditismo por uma questão de classe
- Rios, pontes e overdrives
- A cidade
- A praieira
- Samba makossa
- Da lama ao caos
- Maracatu de tiro certeiro
- Salustiano song
- Antene-se
- Risoflora
- Lixo do Mangue
- Computadores fazem arte
- Coco dub (afrociberdelia)
Francisco de Assis França nasceu no ano da graça de 1966, nativo do signo de Peixes. Filho de um funcionário público aposentado e de uma dona da casa, cresceu nas quebradas de Rio Doce, subúrbio de Olinda em rápido crescimento a partir da década de setenta. As benesses do milagre econômico da ditadura militar permitiram que a vida fosse simples, mas sem maiores privações. Chico estudou em escola pública, como seus dois irmãos e a irmã Goreti e, após concluir o secundário, passou a trabalhar numa empresa do Estado mais tarde privatizada na onda neo-liberal.
Seu envolvimento com o mundo da música data da adolescência, quando descobriu as batidas do Funk americano. Apaixonado por James Brown e cia., ele desde então nunca deixou de “procurar o beat perfeito”, como diz uma música-chave de outro de seus amores, a cultura Hip Hop. Essa busca, sempre inconclusa, sempre passível de aperfeiçoamento, o levou anos depois a se aproximar do maracatu e do coco e, com esses ritmos regionais, elaborar uma alquimia sonora de impacto universal. Antes, no entanto, de se transformar no cientista das batidas certeiras, Chico passou por um longo aprendizado nas ruas, calçadas e bares do Grande Recife. Como membro da Legião Hip Hop (ver verbete) se exercitou nas artes da grafitagem, da dança e do rapeado, modelando o corpo e a fala para os futuros projetos.
A primeira banda, o Orla Orbe, ainda era calcada nos modelos americanos, com influências marcantes de artistas como LL Cool Jay e Run DMC. Foi só na virada da década de oitenta que o caldeirão de influências capazes de gerar o som da Nação Zumbi começou a borbulhar. Integrante de uma rede social variada e estimulante, rede que se transformou no núcleo-base do Mangue Beat, Chico compartilhou um processo riquíssimo de troca de informações e experiências e refinou suas ambições sonoras.
Tão insatisfeito como seus companheiros com o estado de coisas da música brasileira, ele observou com olhos e ouvidos atentos a expansão das tecnologias de gravação e produção que facilitavam experimentos já presentes no Hip Hop, técnicas de colagem acessíveis via o barateamento dos equipamentos eletrônicos. A partir daquela época, ficou fácil para um compositor inglês samplear uma cantora árabe e uma batida de samba e criar algo novo e excitante. A busca do beat perfeito ganhou possibilidades inimagináveis dez anos antes. E Pernambuco, com seus incontáveis ritmos, surgiu como uma mina inexplorada à espera de seu desbravador.
Assim nasceu Chico Science, o alquimista mestre na ciência da manipulação dos grooves. O apelido, dado de brincadeira por Renato L, inspirado na maneira como um tio era chamado por conta da paixão por ficção-científica e teorias sobre extra-terrestres, foi remixado para se adaptar a nova persona. Quem escutava o que Francisco França andava preparando, não tinha dúvidas do acerto na escolha do nome. Um mix orgânico de rap, maracatu, rock dos anos sessenta, samba, afro-beat, reggae e outros ingredientes ecoava com um impacto capaz de fascinar tribos de todas as procedências e gostos. E as letras cantadas sob essa massa indistinta eram até que o acaso trouxe um acidente de carro e o tirou precocemente dessa vida. Três de fevereiro de 97, sete horas da noite, um poste no Complexo Salgadinho, perto de Olinda: quantas batidas, quantas letras, quantas performances geniais essa data fatídica impediu que enriquecessem a história da música? Alçado a condição de mito, presente em camisetas, barracas, adesivos e outras quinquilharias, Chico, em suas inúmeras versões impressas, é a prova ambulante dos paradoxos dessa vida. Ele, tão frágil e ao mesmo tempo tão resistente, imune ao desgaste do tempo por sua graça e a de suas criações.
Há dez anos Chico Science lançava um disco que falava de lama em contraponto à tecnologia e entrava para a história do pop nacional:
Afrociberdelia, de 1996: último disco de uma carreira que acabaria influenciando uma geração de compositores de todo o país.
Manuscrito de Chico Science da música "A Cidade" (1988), gravada em 1993, com algumas alterações na letra. Foi o primeiro sucesso da banda Chico Science e Nação Zumbi e também a primeira canção a ganhar videoclipe.
O grupo Nação Zumbi foi criado em 1990, sob a liderança de Chico Science. Com ideais e diversas influências sonoras, eles mesclaram duas bandas que já existiam em Recife.
Loustaf, da qual Chico fazia parte, e Lamento Negro, bloco afro de Gilmar Bolla 8. Dessa união, surge Chico Science e Nação Zumbi, que uniu tambores, muita percussão, guitarras funk psicodélicas e letras inspiradas. A primeira apresentação foi em 1991, em Olinda, em uma festa chamada "Black Planet".
Neste mesmo ano, Chico Science e Fred Zero Quatro (do grupo Mundo Livre S/A) escreveram um manifesto do movimento Manguebit,
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Em 1992 pela primeira vez tocaram em São Paulo, junto com o Mundo Livre S/A, no espaço Aeroanta, dentro do projeto "Movimento Manguebit".
Após muitos elogios, em 1993, no Festival Abril Pro Rock, surgiu o contrato com a gravadora Sony Music. Gravaram o primeiro CD, Da Lama ao Caos, produzido por Liminha. O segundo CD, Afrociberdelia, contou com as participações de Gilberto Gil e Marcelo D2 e CS e NZ já eram conhecidos no Brasil com o Movimento Mangue Bit.
Em 1997, Chico Science sofreu um acidente de carro às vésperas do Carnaval em Recife/Olinda e faleceu. O carnaval daquele ano não foi como os outros, ninguém pode esconder a tristeza pela perda do mais carismático dos magueboys. Em abril, Nação Zumbi volta a se apresentar, novamente no Festival Abril Pro Rock, o show ainda contou com a participação de Max Cavalera (Soufly).
Nação lançou um CD duplo, intitulado Chico Science e Nação Zumbi, com as músicas dos dois primeiros CDs e algumas remixadas. Fora da Sony, lançaram o Rádio S.Amb.A, com canções inéditas. O CD saiu pela YBRAZIL?Music.
Receberam inúmeras críticas positivas do CD e receberam prêmios com o CD. No inicio de 2002, fecharam um contrato com a gravadora Trama.
Dengue - baixo
Pupillo - bateria
Lúcio Maia - guitarra
Gilmar Bola 8 - tambor
Gira - tambor
Jorge Du Peixe - tambor
Toca Ogam - percussão
Marquinhos – percussão
Quatro anos após sua morte, numa acidente automobilístico em Olinda, Chico Science foi homenageado pelo carnaval da cidade. A orquestra de frevos executou A Cidade, música de Chico com a Nação Zumbi, antes do começo do desfile do Galo da Madrugada, que reuniu hoje mais de um milhão de pessoas na vizinha Recife. O nome do músico foi escolhido em eleição popular, promovida pela Prefeitura e o Sistema Jornal do Commercio de Comunicação.
Mais de quatro anos após a morte do cantor Chico Science - vitimado em um acidente de carro em fevereiro de 1997 - a montadora automobilística Fiat foi condenada a indenizar a família do músico. A decisão foi tomada pela juíza Ângela Melo, da 5º Vara Cível de Olinda (PE), onde Chico sofreu o acidente. A sentença baseou-se na perícia feita no automóvel (um Fiat Uno), na qual ficou provado que o cinto de segurança que prendia Chico ao banco se rompeu com o impacto da batida. Condenada a indenizar a família do músico por danos morais e materiais (num valor ainda não estipulado pela Justiça), a Fiat ainda não emitiu comunicado oficial sobre a sentença.
O falecido líder da Nação Zumbi inspira o evento Circo Science, com inauguração dia 17
Marco Antonio Barbosa
16/07/2001
Chico Science é o "muso inspirador" do evento Circo Science, que a Fundição Progresso (RJ) vai organizar quinzenalmente, com estréia neste dia 17 de julho. O fundador do grupo Nação Zumbi, falecido em 1997, será homenageado pela banda carioca Doctor Kumalo, que vai reinterpretar algumas de suas canções, além de tocar músicas próprias e covers de Jorge Ben Jor, O Rappa e Pedro Luís & A Parede. Além da música, o evento também vai contar com exibição de instalações de arte digital, dentro do projeto Monitores
Cantor e compositor pernambucano (Francisco de Assis França, seu nome verdadeiro), nasceu a 13 de março de 1966 e morreu, em conseqüência de um desastre de automóvel, em Olinda, no dia 02 de fevereiro de 1997.
Foi o idealizados do movimento que criou a manguebeat (batida do mangue) , uma mistura de música pop internacional com ritmos regionais nordestinos como o maracatu e outros.
Deixou dois discos gravados: "Da Lama ao Caos", que foi lançado juntamente com o manifesto "Caranguejos com Cérebro" , definindo as bases do Movimento Mangue; e "Afrociberdélia".
Chico Science dizia que o propósito do movimento criado por ele e pela Banda Nação Zumbi era "resgatar os ritmos negros do Nordeste com uma visão mundial".
O compositor Gilberto Gil considerava Chico Science (juntamente com o grupo baiano Olodum e o compositor Carlinhos Brown) "o que surgiu de mais importante na música brasileira nos últimos vinte anos".
Com a Banda Nação Zumbi foi eleito pela Associação de Críticos Musicais de São Paulo o melhor grupo musical brasileiro de 1996.
por Fred Zero Quatro
foto: arquivo pessoal leofotoarte
Caranguejos com cérebro é o primeiro manifesto do Mangue.
Estuário. Parte terminal de rio ou lagoa. Porção de rio com água salobra. Em suas margens se encontram os manguezais, comunidades de plantas tropicais ou subtropicais inundadas pelos movimentos das marés. Pela troca de matéria orgânica entre a água doce e a água salgada, os mangues estão entre os ecossistemas mais produtivos do mundo.
legenda: Distribuição dos manguezais no planeta
Estima-se que duas mil espécies de microorganismos e animais vertebrados e invertebrados estejam associados à vegetação do mangue. Os estuários fornecem áreas de desova e criação para dois terços da produção anual de pescados do mundo inteiro. Pelo menos oitenta espécies comercialmente importantes dependem do alagadiço costeiro.
Não é por acaso que os mangues são considerados um elo básico da cadeia alimentar marinha. Apesar das muriçocas, mosquitos e mutucas, inimigos das donas-de-casa, para os cientistas são tidos como símbolos de fertilidade, diversidade e riqueza.
A planície costeira onde a cidade do Recife foi fundada é cortada por seis rios. Após a expulsão dos holandeses, no século XVII, a (ex)cidade *maurícia* passou desordenadamente às custas do aterramento indiscriminado e da destruição de seus manguezais.
Em contrapartida, o desvairio irresistível de uma cínica noção de *progresso*, que elevou a cidade ao posto de *metrópole* do Nordeste, não tardou a revelar sua fragilidade.
Bastaram pequenas mudanças nos ventos da história, para que os primeiros sinais de esclerose econômica se manifestassem, no início dos anos setenta. Nos últimos trinta anos, a síndrome da estagnação, aliada a permanência do mito da *metrópole* só tem levado ao agravamento acelerado do quadro de miséria e caos urbano.
Não é preciso ser médico para saber que a maneira mais simples de parar o coração de um sujeito é obstruindo as suas veias. O modo mais rápido, também, de infartar e esvaziar a alma de uma cidade como o Recife é matar os seus rios e aterrar os seus estuários. O que fazer para não afundar na depressão crônica que paralisa os cidadãos? Como devolver o ânimo, deslobotomizar e recarregar as baterias da cidade? Simples! Basta injetar um pouco de energia na lama e estimular o que ainda resta de fertilidade nas veias do Recife.
Em meados de 91, começou a ser gerado e articulado em vários pontos da cidade um núcleo de pesquisa e produção de idéias pop. O objetivo era engendrar um *circuito energético*, capaz de conectar as boas vibrações dos mangues com a rede mundial de circulação de conceitos pop. Imagem símbolo: uma antena parabólica enfiada na lama.
Hoje, Os mangueboys e manguegirls são indivíduos interessados em hip-hop, colapso da modernidade, Caos, ataques de predadores marítimos (principalmente tubarões), moda, Jackson do Pandeiro, Josué de Castro, rádio, sexo não-virtual, sabotagem, música de rua, conflitos étnicos, midiotia, Malcom Maclaren, Os Simpsons e todos os avanços da química aplicados no terreno da alteração e expansão da consciência.
Bastaram poucos anos para os produtos da fábrica mangue invadirem o Recife e começarem a se espalhar pelos quatro cantos do mundo. A descarga inicial de energia gerou uma cena musical com mais de cem bandas. No rastro dela, surgiram programas de rádio, desfiles de moda, vídeo clipes, filmes e muito mais. Pouco a pouco, as artérias vão sendo desbloqueadas e o sangue volta a circular pelas veias da Manguetown.
Obtido em "http://pt.wikisource.org/wiki/Caranguejos_com_c%C3%A9rebro"
Categorias: Manifestos | 1992
Também chamado de mangue, é um ecossistema costeiro, de transição entre os ambientes terrestre e marinho, uma zona úmida característica de regiões tropicais e subtropicais.
Associado às margens de baías, enseadas, barras, desembocaduras de rios, lagunas e reentrâncias costeiras, onde haja encontro de águas de rios com a do mar, ou diretamente expostos à linha da costa, está sujeito ao regime das marés, sendo dominado por espécies vegetais típicas, às quais se associam outros componentes vegetais e animais.
Ao contrário do que acontece nas praias arenosas e nas dunas, a cobertura vegetal do manguezal instala-se em substratos de vasa de formação recente, de pequena declividade, sob a ação diária das marés de água salgada ou, pelo menos, salobra.
Devem-se distinguir os termos "manguezal" (ecossistema) de "mangue", termo comum dado as espécies vegetais características desses habitats.
O solo do manguezal caracteriza-se por ser úmido, salgado, lodoso, pobre em oxigênio e muito rico em nutrientes. Por possuir grande quantidade de matéria orgânica em decomposição, por vezes apresenta odor característico, mais acentuado se houver poluição. Essa matéria orgânica serve de alimento à base de uma extensa cadeia alimentar, como por exemplo, crustáceos e algumas espécies de peixes. O solo do manguezal serve como habitat para diversas espécies, como caranguejos.
Em virtude do solo salino e da deficiência de oxigênio, nos manguezais predominam os vegetais halófilos, em formações de vegetação litorânea ou em formações lodosas. As suas longas raízes permitem a sustentação das árvores no solo lodoso.
Os manguezais são encontrados ao longo de todo o litoral brasileiro, onde as principais espécies de árvores típicas deste bioma são:
A espécie Laguncularia racemosa merece destaque por ser a única espécie típica de mangue encontrada no Arquipélago de Fernando de Noronha, num único manguezal localizado na Baía do Sueste.
No Indo-Pacífico, as árvores típicas do mangal são a Rhyzofora mucronata (mangal vermelho), a Avicenia marina (mangal branco), a Brughiera gymnorhyza e o Ceriops tagal.
A biodiversidade dos manguezais se traduz em significativa fonte de alimentos para as populações humanas. Nesses ecossistemas se alimentam e reproduzem mamíferos, aves, peixes, moluscos e crustáceos, entendidos os recursos pesqueiros como indispensáveis à subsistência tradicional das populações das zonas costeiras. Entre essas espécies, destacam-se:
Espécie de mangue (Queensland, Austrália).
Com relação à pesca, os manguezais produzem mais de 95% do alimento que o homem captura no mar. Por essa razão, a sua manutenção é vital para a subsistência das comunidades pesqueiras que vivem em seu entorno.
Com relação à dinâmica dos solos, a vegetação dos manguezais serve para fixar os solos, impedindo a erosão e, ao mesmo tempo, estabilizando a linha de costa.
As raízes do mangue funcionam como filtros na retenção dos sedimentos. Constituem ainda importante banco genético para a recuperação de áreas degradadas, por exemplo, como aquelas por metais pesados.
A destruição dos manguezais gera grandes prejuízos, inclusive para economia, direta ou indiretamente, uma vez que são perdidas importantes frações ecológicas desempenhadas por esses ecossistemas. Entre os problemas mais observados destacam-se o desmatamento e o aterro de manguezais para dar lugar a portos, estradas, agricultura, carcinocultura estuarina, invasões urbanas e industriais, derramamento de petróleo, lançamento de esgotos, lixo, poluentes industriais, agrotóxicos, assim como a pesca predatória, onde é muito comum a captura do caranguejo-ucá durante a época de reprodução, ou seja nas "andadas", quando torna-se presa fácil. É preciso conhecer e respeitar os ciclos naturais dos manguezais para que o uso sustentado de seus recursos seja possível.
Muitas atividades podem ser desenvolvidas no manguezal sem lhe causar prejuízos ou danos, entre elas:
Localizam-se no encontro de rios e mares. Estima-se que, em todo o planeta, existam cerca de 172.000 km² de manguezais. Desse total, cerca de 15%, ou seja, cerca de 26.000 km², distribuem-se pelo litoral do Brasil, desde o estado do Amapá até Laguna, em Santa Catarina.
Em Pernambuco existem cerca de 270 quilômetros quadrados de manguezais; na Paraíba, cerca de 160 quilômetros quadrados; o Maranhão detém 85% dos manguezais da região norte-nordeste, o que equivale a 500 mil hectares. A ilha de Fernando de Noronha é a possuidora da menor extensão de manguezal no país.
Os mangais ocorrem ao longo de toda a costa de Moçambique, com exceção das zonas de dunas costeiras, mas são mais abundantes na região norte, tropical, cobrindo uma área estimada em cerca de 400 mil hectares.[1]
As árvores de mangal aqui existentes (e em todo o Indo-Pacífico) são a Rhyzofora mucronata (mangal vermelho), a Avicenia marina (mangal branco), a Brughiera gymnorhyza e o Ceriops tagal.
Nara Aragão Fonseca
Resumo
O Manguebeat aponta para uma nova política de representação, onde se negociam espaços através de processos de desencaixe. Essa estratégia possibilita o questionamento das metanarrativas e, através da desidentificação, propõe novas maneiras de articular identidades periféricas. Essa estratégia, porém, limita-se ao campo da representação.
Palavras-chave Identidades; Representação; Manguebeat
A década de 90 em Recife presenciou o surgimento de uma nova maneira de ver a cultura local, através do estabelecimento da chamada cena mangue. Articulando centro e periferia e relacionando de uma nova forma cultura popular e cultura pop, o conceito manguebeat que começou na música e depois passou a influenciar outros setores da cultura, teve projeção inédita. O sucesso e a difusão da cena começou com os primeiros shows das bandas Chico Science e Nação Zumbi e Mundo Livre S/A e ganhou importância com o reconhecimento na mídia, com shows em grandes centros do país (São Paulo e Rio de Janeiro) e do mundo (Europa, Estados Unidos) e com eventos de contato direto com o público local em festivais como o Abril pro Rock. Antes de se transformar em “cena”, o mangue era apenas a tradução da inquietude de um grupo de jovens que queriam ver a cidade sair do marasmo cultural em que se encontrava e achava que para isso era necessário falar das mazelas de uma cidade periférica em plena globalização.
Pode-se perceber na cultura ocidental em geral os reflexos de uma relação de poder diretamente associada ao projeto moderno. Na cultura oficial só é assimilada a manifestação cultural incorporada por um discurso legitimador. Nesse momento, o conhecimento e a expressão se especializam e a arte e a cultura como um todo passam a circular apenas no circuito dos iniciados – os próprios artistas, os críticos, os pensadores. Com a produção cultural dependendo da legitimação dessa inteligentsia, as relações de poder se fortalecem e acentuam a marginalização das culturas periféricas. O pensamento moderno expressa um esforço pela universalidade em seu discurso, que reflete um ímpeto de progresso industrial e expansão global de mercados e isso proporciona visões fetichizadas das periferias que serviriam às necessidades legitimadoras do discurso dominante, inibindo as possibilidades de auto-representação dos indivíduos aí inseridos.
A fase posterior, de uma tendência pós-moderna, é marcada por uma tentativa de explorar o poder em representação, dando ênfase às margens. De algumas décadas para cá, têm surgido sinais dessa nova ordem, o que, segundo Giddens, seria uma acentuação ou radicalização das conseqüências da modernidade.
1 (GIDDENS: 1991, p.12)
A teoria pós-moderna vai trazer questionar a capacidade de uma linguagem ou discurso de produzir verdades. Para Giddens, “a desorientação que se expressa na sensação de que não se pode obter conhecimento sistemático sobre a organização social (...) resulta, em primeiro lugar, da sensação de que muitos de nós temos sido apanhados num universo de eventos que não compreendemos plenamente, e que parecem em grande parte estar fora de nosso controle”. A partir dessa incerteza com relação a uma narrativa que nos insira na história (uma metanarrativa), desenvolve-se o ataque à política de representação moderna no discurso cultural. São críticas às estruturas de poder envolvidas na representação, com ênfase na articulação das margens ou do que é projetado como marginal. Steven Connor fala inclusive de uma acentuação dessa ênfase nas margens até o ponto de alguns teóricos como Gayatri Spivak e Homi Bhabha questionarem esse modelo como reprodução de modelos colonialistas de pensamento.
Eram os Subaltern Studies, corrente que parte de uma nova conceituação do termo “subalterno”. Este termo remonta a Gramsci, que denomina como “subalterno” os pertencentes às classes oprimidas, como uma forma de substituir o termo marxista “proletariado”. Alguns novos teóricos, a partir da conceituação de Gramsci que, diferentemente do termo anterior, pressupõe subordinação, submissão, começaram a perceber que as formas de opressão estão além da classe e da condição econômica e que também há opressão com bases culturais, étnicas. Assim, como uma complementação ao conceito gramsciano e à teoria marxista, o conceito de subalterno foi ampliado. Para Spivak, o subalterno é aquele que não é representado, inclusive na representação que se propõe dar a ele, porque, a partir do momento em que é representado, ele já é inserido em um discurso e perde o caráter de subalternidade. Gramsci considera a cultura subalterna essencialmente folclórica, espontânea, fundada no senso comum mais que uma concepção científica do mundo.Os Subaltern Studies vão questionar se essa cultura seria mesmo subalterna ou apenas uma das estratégias de sua incorporação no discurso hegemônico, que serviria a interesses da cultura dominante. A partir desse posicionamento, passam a se desenvolver novos esforços na tentativa de articular as classes subalternas em torno de suas estratégias de representação.
E é como crítica às estruturas de poder da representação e tentativa de articulação das classes subalternas que tem se desenvolvido a produção cultural no estado de Pernambuco nas últimas décadas. Hoje, pode-se sentir uma tendência do discurso dominante de incorporar setores marginalizados antes não representados ou cujas representações se restringiam a círculos fechados, mas isso só aconteceu depois de muito tempo em que a cultura do estado passou por fases consecutivas de negação da cultura urbana periférica.
2 BEVERLEY: 1999, p. 102 3 Ibid., p. 105/106 4
Pernambuco reagiu ao modernismo com estratégias culturais que buscavam preservar a “pureza” da cultura pernambucana. Durante quase todo o século XX a produção cultural estava voltada para dentro. Valorizando e preservando as raízes da cultura nordestina, o estado passou por um longo período com poucas mudanças. As principais tendências que surgiram durante este período foram o Regionalismo e o movimento Armorial.
O Regionalismo surgiu no início do século com intenção de desenvolver o sentimento de unidade do Nordeste dentro dos novos valores modernistas, pregando a conservação dos valores tradicionais. Essa tendência sempre foi alimentada (e até hoje, em parte o é) pelas políticas oficiais de incentivo à produção cultural no estado. Em torno da intenção de unificação, se aglomeravam diversos intelectuais que acreditavam no Regionalismo como uma maneira de não perder de vista as raízes culturais em meio às tendências modernistas. Durante o Congresso Regionalista de Recife, em 1926, especificamente voltado para essa discussão, os regionalistas publicaram o Manifesto Regionalista, escrito por Gilberto Freyre, que convocava os nordestinos a resgatar os valores nativos tradicionais e a cultura local nas suas diversas manifestações, contra o que ele chama de “mau cosmopolitismo e falso modernismo”:
As idéias regionalistas tomaram forma em uma produção literária comprometida com a problemática nordestina, e tiveram como fruto diversas obras até hoje consideradas importantes, como os livros de Gilberto Freyre, Rachel de Queiroz e José Lins do Rego. Depois disso, a única manifestação de grande relevância e influência foi o Movimento Armorial, lançado oficialmente em Recife na década de 70, e que pretendia produzir arte erudita a partir da cultura popular. Influenciado pelo Regionalismo, pregava a preservação da cultura popular “pura” e via o consumo da cultura pop (principalmente americana) como colonização cultural. Com o desenvolvimento da produção cultural nesses moldes, de apropriação de elementos da cultura popular em roupagem erudita para o consumo de classes intelectualizadas, as periferias urbanas só surgiam em uma visão excessivamente romantizada. Além disso, as gerações mais novas não se sentiam representadas, pois sua convivência com a cultura pop estava sendo ignorada. O discurso armorial, liderado pelo discurso de Ariano Suassuna, reforçava a crença de que, qualquer referência vinda de uma cultura de massas, tinha caráter alienante.
Amarrada a essas tendências durante tanto tempo, a movimentação cultural em Recife passou por um marasmo criativo de muitos anos. As estratégias culturais se baseavam no resgate e conservação de coisas que já existiam. Alguns grupos musicais que foram além disso, limitavam-se a “copiar” ou “imitar” a música pop americana ou britânica. Isso foi causando um crescente incômodo em alguns setores culturais pela carência de criação e inclusão. A vontade de dar esse passo à frente, de se fazer representar através de coisas novas, propiciou uma movimentação na cultura jovem urbana recifense, que foi o que resultou na publicação do 1º “manifesto” mangue, iniciativa de jovens que cresceram vendo TV e cinema e ouvindo rádio, numa época em que as informações (discos, livros, vídeos) começavam a circular com mais facilidade. Para eles, a estratégia de representação passava pela referência à cultura de massas globalizada que foi parte de sua formação. Logo, o contexto de surgimento da cena mangue é um ambiente em que a produção artística e cultural em geral sofre constante influência dos meios de comunicação de massa e da globalização.
No final do século XX, na década de 90 em Recife, vimos surgir uma cena cultural com inédita repercussão no resto do país e até fora dele. A partir da música e de uma atitude que refletia a diversidade de referências culturais típicas da contemporaneidade, a nova produção ganhou projeção na mídia e gerou muita identificação com um público consumidor de cultura de várias classes. Assim surgia o manguebeat, que iria depois influenciar a 6 produção cultural em várias outras áreas além da música. A nova movimentação envolvia, originalmente, motivação política e contestação. O manguebeat surgiu no Recife nos primeiros anos da década de 90. Segundo a descrição de Renato L, um dos “mentores” do manguebeat, "trabalhando em cooperativa, duas bandas desconhecidas, Chico Science e Nação Zumbi e Mundo Livre S/A, juntaram-se a alguns jornalistas, designers e desempregados, para tentar criar uma cena artística capaz de quebrar o marasmo que dominava a vida local. O termo é inspirado nos manguezais, a vegetação que dominava boa parte da área sob a qual foi construído o Recife. A idéia era gerar uma cena tão rica e diversificada quanto esse ecossistema, de modo a abranger toda a complexidade embutida potencialmente na vida de uma cidade grande."
O Manguebeat também teve seu manifesto. Em março de 1992 foi publicado na imprensa local o manifesto mangue, que expressava a insatisfação da classe cultural da época com a ordem vigente. O manifesto consistia de um release que foi elaborado pelos participantes dos grupos que iniciaram o manguebeat e enviado a toda a grande imprensa local, em que estes jovens reivindicavam que a cena cultural saísse do marasmo em que se encontrava e abrisse os olhos para o potencial que havia ali. Segundo o manifesto, com a riqueza da cultura local e com a bagagem de referências que se tinha, havia um potencial latente, esperando por um primeiro impulso para tirar a cena da inércia cultural e política em que se encontrava. Foi essa motivação política, contestatória, que impulsionou os músicos a se unir e produzir. E as opções estéticas adotadas são conseqüência desta atitude. Assim, não era só pela afinidade ou gosto que as músicas tinham elementos regionais e referências pop globais. Essa era uma maneira de também mostrar que era necessário se abrir para um diálogo com as influências externas e de se abrir para dar voz a essa complexidade de que fala Renato L., sem negar as origens culturais. Essa era uma maneira de afrontar as tendências culturais que reinavam há vários anos em Pernambuco como o movimento Armorial e o Regionalismo.
4 LINS: 2004
Através da apropriação de valores e representações da periferia por ela mesma, a cena mangue expressava sua recusa às metanarrativas, afirmando a diferença e trazendo elementos de uma cultura global que se misturam com elementos da cultura popular local, da cultura pop e da cultura erudita. E o que permite que essa mistura aconteça é o processo de “desencaixe” mencionado por Giddens, através da criação de fichas simbólicas que circulam desvinculadas de uma conjuntura específica. É através de fichas simbólicas que o manguebeat incorpora esses elementos.
Assim foi, por exemplo, com as bandas de hip hop e hard core do Alto José do Pinho, morro do subúrbio recifense. Grupos que tocavam há muito tempo, mas não conseguiam sair de suas comunidades. A partir da movimentação em torno da cena mangue, a mídia em geral voltou-se mais para o que esses grupos marginalizados tinham a dizer. E foi com a divulgação que o público foi se ampliando e as bandas crescendo, chegando até a influenciar outras estratégias culturais na comunidade com a intenção de mudar a situação social, como oficinas de música com jovens, grupos de grafiteiros, rádio comunitária, etc. Foi no Alto José do Pinho que surgiram as bandas Devotos do Ódio e Faces do Subúrbio, que criaram fama e vieram a se tornar referências depois.
Não foi só a novidade que fez com que a cena mangue alcançasse o sucesso que alcançou. A maneira de se posicionar e de manifestar sua insatisfação com a situação cultural da cidade estimulou uma reflexão geral sobre o papel da cultura pós-moderna nessa cena.
E essa atitude com relação às margens vai tentar se legitimar por oposição ao estabelecido, assumindo a forma do que Steven Connor chama de “desidentificação”. Baseado na obra de Michel Pêcheux, Connor afirma que há três reações possíveis ao poder das instituições: a identificação, que seria a vida nos termos dessas instituições, a “contra-identificação”, que seria a reversão dos termos de seu discurso, porém dentro da mesma lógica da estrutura dominante de idéias e a “desidentificação”, que é uma reação tipicamente pós-moderna ao poder das instituições, dos discursos ou das estruturas de conhecimento. A “desidentificação”, no caso da cena mangue, se dava a partir da incorporação de elementos da cultura de massas e de sua relação com o marginal, o periférico. Isso desmantelava toda a estrutura anteriormente estabelecida, não porque se opunha diretamente a ela, mas porque vinha propondo uma nova ordem, uma nova forma de estruturação.
Pode-se considerar também esta como sendo uma característica intrínseca do rock, pós-moderno por natureza (como afirma Connor). O rock’n roll surge em consonância com a visão pós-moderna de mundo. Para o rock, não existem regras nem um objetivo claro a ser cumprido, a não ser a própria satisfação instintiva imediata. E também não há regras para inclusão – o rock é como um imenso buraco negro em que novas formas são incorporadas com muita facilidade, que admite sucessivas reciclagens, retomadas, releituras, retornos e versões cover.
Assim como o rock da maneira como surgiu, as manifestações da cena mangue abalavam a crença no culto à originalidade total (a crença num começo absolutamente novo), com a subversão das idéias de origem e originalidade. Não que o discurso agora seja baseado na cópia, mas sim na transformação. Essa, aliás, seria a palavra-chave, embutida no que poderia ser a máxima dessa tendência: “nada se cria, tudo se transforma”.
Teixeira Coelho consegue localizar essa transformação pós-moderna através das relações entre arte e cultura de massa:
E é no momento em que “a cobra morde o rabo”, que a arte bebe da publicidade e qualquer forma de representação bebe de outra. É aí que o mangue bebe na cultura de massas em outros estilos musicais e que outros setores da cultura vêm beber na cena mangue, como a moda, a literatura, as artes plásticas e o cinema, no que Jameson considera uma característica fundamental pós-moderna: o apagamento da antiga fronteira entre a alta cultura e a cultura de massa.
CONNOR: 1996, p. 149
A partir da incorporação da música eletrônica e sampling, todo estilo pode ser fragmentado, reutilizado, reciclado. É uma fonte que nunca se esgota – a música pós-moderna pode viver às custas de si mesma, de suas próprias formas, de sua própria história. Connor fala sobre esses princípios de articulação e reciclagem na música pós-moderna:
As fichas simbólicas então, totalmente desencaixadas, vão circular num turbilhão cada vez mais rápido. A partir desse mix de referências, vão surgir novas formas de identificação bem mais complexas. O sujeito periférico ganha voz porque passa a fazer parte da mesma teia global em que se constrói o discurso hegemônico. Ou seja, as estratégias de negociação de espaços encampadas pelo Manguebeat propõem novas maneiras de articulação que, porém, limitam-se ao campo da representação.
6 JAMESON, 1996
BEVERLY, John. Subalternity and Representation. Arguments in Cultural Theory. Durham / London: Duke University Press, 1999
COELHO, Teixeira. Moderno Pós-moderno. São Paulo: Iluminuras, 1995.
CONNOR, Steven. Cultura Pós-moderna. Introdução às Teorias do Contemporâneo. São Paulo: Edições Loyola, 1993
FREYRE, Gilberto. Manifesto Regionalista de 1926. Recife: Região, 1952
GIDDENS, Anthony. As Conseqüências da Modernidade. São Paulo: Editora UNESP, 1991
JAMESON, Frederic. Pós-modernismo ou a Lógica Cultural do Capitalismo Tardio. São Paulo: Editora Ática, 1996
Internet
LINS, Renato. “Mangue Beat – Breve Histórico do seu Nascimento” no site A Maré Encheu, disponível na Internet. URL: http://carlota.cesar.org.br/mabuse/newstorm.notitia.apresentacao .ServletDeSecao?codigoDaSecao=683&dataDoJornal=atual. Acesso em 20/09/2004
LINS, Renato. “Arqueologia do Mangue. As Primeiras horas do Mangue e seu desenvolvimento” no site Manguetronic. Disponível na Internet. URL: www.manguetronic.com.br. Acesso em 20/09/2004
Ana Paula Pacheco Godoy, Sinésio Feraz Bueno, Campus de Marília- Faculdade de Filosofia e Ciências- Ciências Sociais- Ana_Paula_Godoy@hotmail.com- Bolsista FAPESP. Palavras chaves: Manguebeat; Indústria Cultural; mídia. Keywords: Manguebeat; Culture Industry; media.
O Movimento Manguebeat tem sido alvo de muitos estudos acadêmicos na atualidade. Por meio de diferentes abordagens o Movimento é tratado como mais um momento na historia da relação entre a cultura brasileira e a cultura ocidental. Um traço comum entre esses trabalhos é a análise da relação entre cultura local e cultura global, bem como o hibridismo musical caracterizado pela combinação de sons, e seu conteúdo político de resistência e de protesto. A presente pesquisa é dedicada à reflexão sobre a inserção, em grande medida, irrefletida, do Movimento Manguebeat no contexto da indústria cultural e seus meios de comunicação. Nossa hipótese é que essa inserção comprometeu o caráter contestador que inicialmente animou a criação do Manguebeat
Como pudemos verificar desde o início da presente pesquisa as abordagens acadêmicas sobre o Movimento Manguebeat acentuam, de diferentes maneiras, seu conteúdo de resistência e seu caráter de protesto. A proposta desta pesquisa é, no entanto, tentar entender como esses movimentos se colocam na mídia e diante dos veículos de divulgação comercial que fazem parte do mercado de consumo dos produtos do sistema capitalista e apontar as contradições que envolvem essa inserção.Com esse objetivo, centraremos nosso trabalho na análise de dois momentos contraditórios, que envolvem o Movimento, sendo, o primeiro no que se refere à forma como o movimento se vê e é visto, e o segundo, na prática de divulgação e inserção no mercado da industria fonográfica. Conforme pudemos constatar o Manguebeat nasce da indignação dos jovens da periferia de Recife e Olinda diante do fechamento da cultura nordestina para dentro de si mesma, expressada na combinação entre o popular e o erudito, feita por Ariano Suassuna e seu Movimento Armorial, além do estado caótico em que se encontrava a capital Recife, com um quadro de violência e pobreza acentuadas. Diante desse quadro, a intenção da juventude recifense constituiu em realçar a existência de uma rica movimentação cultural, mesmo diante da persistência dos graves problemas sociais . Nesse sentido, a imagem símbolo do movimento, a parabólica fincada na lama, acentua de maneira exemplar o tipo de conexão com o mundo almejada pelo Movimento. No entanto, nesta tentativa de conexão, que consiste em se fazer ver pelo mundo e integrar um cenário cultural mais amplo, o Movimento inseriu-se em grande medida irrefletidamente no contexto da indústria cultural e seus meios de comunicação. Nossa hipótese é que essa inserção comprometeu o caráter contestador que inicialmente animou a criação do Manguebeat. Para compreendermos esse comprometimento, comentaremos três aspectos importantes da crítica endereçada por Adorno e Horkheimer, pensadores alemães dedicados à chamada Teoria Crítica da Sociedade, à indústria cultural.
as necessidades de entretenimento que a indústria cultural se propõe atender não resultam da suposta capacidade autônoma de escolha por parte dos consumidores. Pelo contrário, os desejos satisfeitos pela indústria cultural, sendo o resultado de uma condição heterônoma do homem contemporâneo, promovem a integração ao statu quo, reproduzindo o estado de não-liberdade. Assim, em grande medida podemos questionar a alegada liberdade de escolha, uma vez que a catalogação estatística dos consumidores de cultura produz uma ampla variedade de produtos, de acordo com a categoria em que cada um está previamente enquadrado. “Para todos algo está previsto; para que ninguém escape, as distinções são acentuadas e difundidas. O fornecimento ao público de uma hierarquia de qualidades serve apenas para uma quantificação ainda mais completa” (1985, p. 116).
em que as distinções entre os produtos de cultura são acentuadas com o objetivo de se mascarar o planejamento, os próprios traços de espontaneidade dos artistas e do público estão inseridos em esquemas prévios. Embora isso não signifique a impossibilidade de que algo efetivamente novo seja produzido, destaca-se que a embalagem da “novidade” é um dos recursos mais importantes que a indústria cultural mobiliza para mascarar o antigo com a aparência do novo. Segundo Adorno e Horkheimer, “os talentos já pertencem à indústria muito antes de serem apresentados por ela: de outro modo não se integrariam tão fervorosamente” (1985, p. 115).
que é o resultado necessário da quantificação comentada no item 1, é mascarada pela indústria cultural por meio da pseudoindividuação, ou seja, pela produção artificial da sensação de liberdade de escolha. Segundo Adorno e Simpson, se o controle das consciências não fosse camuflado, seriam provocadas resistências que dificultariam a aceitação dos produtos. Assim, por meio da pseudoindividuação, os ouvintes são envolvidos pela auréola da livre escolha, mantidos enquadrados, esquecendo-se de que “o que eles escutam já é sempre escutados por eles, pré-digerido” (1986, p.123). Quando consideramos a análise proposta por Adorno e Horkheimer para refletir sobre a inserção na indústria cultural de movimentos musicais dotados de forte caráter contestatório, disso resulta que existe uma grande possibilidade de que mesmo os movimentos musicais que pretendem escapar à estandardização da indústria cultural, acabam reproduzindo os esquemas por ela preformados. Conforme vimos, a industria cultural suscita necessidades de entretenimento nas pessoas e depois acena com a possibilidade de satisfazê-las, em um processo no qual essa satisfação não se dá sem que, em grande medida, a liberdade de escolha seja estruturalmente comprometida. Na contemporaneidade, certo estado de cegueira frente à perda de autonomia, dificulta sobremaneira que os indivíduos possam resistir às necessidades de lógica do capitalismo, a industria cultural oferece produtos a todos os tipos de gostos e necessidades, e assim, mesmo os produtos com aparente caráter de protesto são enquadrados nesta lógica de consumo e dificilmente podem ultrapassam os limites permitidos pela industria cultural. Assim, partimos da hipótese de que, apesar de o movimento Manguebeat, ter surgido com a pretensão de ser considerado uma “arte de reação”, essa inserção é problemática, mesmo que, em sua proposta inicial o movimento manguebeat, tenha pretendido articular centro e periferia, relacionar cultura pop e cultura popular, em um circuito energético, capaz de conectar as boas vibrações dos mangues com a rede mundial de circulação de conceitos pop. Entendemos que essa necessidade de inserção na produção pop da época e de se fazer ver pela mídia, fez com que os "manifestantes" se submetessem às regras da indústria cultural, transformando cada vez mais o que de início era uma rebeldia e uma tentativa de mudança em mais uma estandardização e estereotipação tão comuns à indústria cultural.
A presente pesquisa está se desenvolvendo através de análise teórica, bibliográfica, aliada a coleta de informações através de entrevistas a serem realizadas com as pessoas que iniciaram o movimento e estiveram envolvidas de alguma forma nele, além da análise das letras de musicas das bandas participantes do movimento, Mundo Livre S/A e Nação Zumbi.
Por se tratar de uma pesquisa em andamento não podemos ainda tirar nenhum tipo de conclusão, qualquer tentativa no presente momento se dará de forma precipitada. A hipótese que temos, retomando o que já foi dito anteriormente, é a de que todo tipo de rebeldia diante da Indústria Cultural é a rebeldia que é dirigida por ela própria, assim os autores do movimento manguebeat tendem a reproduzir uma cena que tantas vezes a Indústria Cultural permitiu, a crítica a ela mesma, pois essa era a necessidade daquelas pessoas naquele determinado momento, e essa necessidade com sabemos não se dá de forma autônoma. Apesar de o movimento manguebeat, ter surgido com a pretensão de ser considerado uma arte de reação, não pode ser assim reduzido, pois já nasce com a pretensão de inserção de inserção na indústria cultural. Essa era a proposta inicial do movimento manguebeat, articular centro e periferia relacionando cultura pop e cultura popular; o objetivo (do movimento) é um circuito energético, capaz de conectar as boas vibrações do mangue com a rede mundial de circulação de conceitos pop.”
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- Mateus enter
- O cidadão do mundo
- Etnia
- Quilombo groove
- Macô
- Um passeio no mundo livre
- Samba do lado
- Maracatu atômico
- O encontro de Isaac Asimov com Santos Dumont no céu
- Corpo de lama
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- Sangue de bairro
- Enquanto o mundo explode
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- Maracatu atômico (atomic version)
- Maracatu atômico (ragga mix)
- Maracatu atômico (trip hop)
Da Lama ao Caos - 1994
- Monólogo ao pé do ouvido
- Banditismo por uma questão de classe
- Rios, pontes e overdrives
- A cidade
- A praieira
- Samba makossa
- Da lama ao caos
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- Salustiano song
- Antene-se
- Risoflora
- Lixo do Mangue
- Computadores fazem arte
- Coco dub (afrociberdelia)
CHICO SCIENCE
Francisco de Assis França nasceu no ano da graça de 1966, nativo do signo de Peixes. Filho de um funcionário público aposentado e de uma dona da casa, cresceu nas quebradas de Rio Doce, subúrbio de Olinda em rápido crescimento a partir da década de setenta. As benesses do milagre econômico da ditadura militar permitiram que a vida fosse simples, mas sem maiores privações. Chico estudou em escola pública, como seus dois irmãos e a irmã Goreti e, após concluir o secundário, passou a trabalhar numa empresa do Estado mais tarde privatizada na onda neo-liberal.
Seu envolvimento com o mundo da música data da adolescência, quando descobriu as batidas do Funk americano. Apaixonado por James Brown e cia., ele desde então nunca deixou de “procurar o beat perfeito”, como diz uma música-chave de outro de seus amores, a cultura Hip Hop. Essa busca, sempre inconclusa, sempre passível de aperfeiçoamento, o levou anos depois a se aproximar do maracatu e do coco e, com esses ritmos regionais, elaborar uma alquimia sonora de impacto universal. Antes, no entanto, de se transformar no cientista das batidas certeiras, Chico passou por um longo aprendizado nas ruas, calçadas e bares do Grande Recife. Como membro da Legião Hip Hop (ver verbete) se exercitou nas artes da grafitagem, da dança e do rapeado, modelando o corpo e a fala para os futuros projetos.
A primeira banda, o Orla Orbe, ainda era calcada nos modelos americanos, com influências marcantes de artistas como LL Cool Jay e Run DMC. Foi só na virada da década de oitenta que o caldeirão de influências capazes de gerar o som da Nação Zumbi começou a borbulhar. Integrante de uma rede social variada e estimulante, rede que se transformou no núcleo-base do Mangue Beat, Chico compartilhou um processo riquíssimo de troca de informações e experiências e refinou suas ambições sonoras.
Tão insatisfeito como seus companheiros com o estado de coisas da música brasileira, ele observou com olhos e ouvidos atentos a expansão das tecnologias de gravação e produção que facilitavam experimentos já presentes no Hip Hop, técnicas de colagem acessíveis via o barateamento dos equipamentos eletrônicos. A partir daquela época, ficou fácil para um compositor inglês samplear uma cantora árabe e uma batida de samba e criar algo novo e excitante. A busca do beat perfeito ganhou possibilidades inimagináveis dez anos antes. E Pernambuco, com seus incontáveis ritmos, surgiu como uma mina inexplorada à espera de seu desbravador.
Assim nasceu Chico Science, o alquimista mestre na ciência da manipulação dos grooves. O apelido, dado de brincadeira por Renato L, inspirado na maneira como um tio era chamado por conta da paixão por ficção-científica e teorias sobre extra-terrestres, foi remixado para se adaptar a nova persona. Quem escutava o que Francisco França andava preparando, não tinha dúvidas do acerto na escolha do nome. Um mix orgânico de rap, maracatu, rock dos anos sessenta, samba, afro-beat, reggae e outros ingredientes ecoava com um impacto capaz de fascinar tribos de todas as procedências e gostos. E as letras cantadas sob essa massa indistinta eram até que o acaso trouxe um acidente de carro e o tirou precocemente dessa vida. Três de fevereiro de 97, sete horas da noite, um poste no Complexo Salgadinho, perto de Olinda: quantas batidas, quantas letras, quantas performances geniais essa data fatídica impediu que enriquecessem a história da música? Alçado a condição de mito, presente em camisetas, barracas, adesivos e outras quinquilharias, Chico, em suas inúmeras versões impressas, é a prova ambulante dos paradoxos dessa vida. Ele, tão frágil e ao mesmo tempo tão resistente, imune ao desgaste do tempo por sua graça e a de suas criações.
Os caranguejos mostram suas garras
Há dez anos Chico Science lançava um disco que falava de lama em contraponto à tecnologia e entrava para a história do pop nacional:
Afrociberdelia, de 1996: último disco de uma carreira que acabaria influenciando uma geração de compositores de todo o país.
Manuscrito de Chico Science da música "A Cidade" (1988), gravada em 1993, com algumas alterações na letra. Foi o primeiro sucesso da banda Chico Science e Nação Zumbi e também a primeira canção a ganhar videoclipe.
NAÇÃO ZUMBI
O grupo Nação Zumbi foi criado em 1990, sob a liderança de Chico Science. Com ideais e diversas influências sonoras, eles mesclaram duas bandas que já existiam em Recife.
Loustaf, da qual Chico fazia parte, e Lamento Negro, bloco afro de Gilmar Bolla 8. Dessa união, surge Chico Science e Nação Zumbi, que uniu tambores, muita percussão, guitarras funk psicodélicas e letras inspiradas. A primeira apresentação foi em 1991, em Olinda, em uma festa chamada "Black Planet".
Neste mesmo ano, Chico Science e Fred Zero Quatro (do grupo Mundo Livre S/A) escreveram um manifesto do movimento Manguebit,
o Manifesto dos Caranguejos com Cérebro, que tem como símbolo uma antena parabólica colocada na lama
.
Em 1992 pela primeira vez tocaram em São Paulo, junto com o Mundo Livre S/A, no espaço Aeroanta, dentro do projeto "Movimento Manguebit".
Após muitos elogios, em 1993, no Festival Abril Pro Rock, surgiu o contrato com a gravadora Sony Music. Gravaram o primeiro CD, Da Lama ao Caos, produzido por Liminha. O segundo CD, Afrociberdelia, contou com as participações de Gilberto Gil e Marcelo D2 e CS e NZ já eram conhecidos no Brasil com o Movimento Mangue Bit.
Em 1997, Chico Science sofreu um acidente de carro às vésperas do Carnaval em Recife/Olinda e faleceu. O carnaval daquele ano não foi como os outros, ninguém pode esconder a tristeza pela perda do mais carismático dos magueboys. Em abril, Nação Zumbi volta a se apresentar, novamente no Festival Abril Pro Rock, o show ainda contou com a participação de Max Cavalera (Soufly).
Nação lançou um CD duplo, intitulado Chico Science e Nação Zumbi, com as músicas dos dois primeiros CDs e algumas remixadas. Fora da Sony, lançaram o Rádio S.Amb.A, com canções inéditas. O CD saiu pela YBRAZIL?Music.
Receberam inúmeras críticas positivas do CD e receberam prêmios com o CD. No inicio de 2002, fecharam um contrato com a gravadora Trama.
Dengue - baixo
Pupillo - bateria
Lúcio Maia - guitarra
Gilmar Bola 8 - tambor
Gira - tambor
Jorge Du Peixe - tambor
Toca Ogam - percussão
Marquinhos – percussão
CHICO SCIENCE É HOMENAGEADO NO CARNAVAL DE OLINDA
Quatro anos após sua morte, numa acidente automobilístico em Olinda, Chico Science foi homenageado pelo carnaval da cidade. A orquestra de frevos executou A Cidade, música de Chico com a Nação Zumbi, antes do começo do desfile do Galo da Madrugada, que reuniu hoje mais de um milhão de pessoas na vizinha Recife. O nome do músico foi escolhido em eleição popular, promovida pela Prefeitura e o Sistema Jornal do Commercio de Comunicação.
Mais de quatro anos após a morte do cantor Chico Science - vitimado em um acidente de carro em fevereiro de 1997 - a montadora automobilística Fiat foi condenada a indenizar a família do músico. A decisão foi tomada pela juíza Ângela Melo, da 5º Vara Cível de Olinda (PE), onde Chico sofreu o acidente. A sentença baseou-se na perícia feita no automóvel (um Fiat Uno), na qual ficou provado que o cinto de segurança que prendia Chico ao banco se rompeu com o impacto da batida. Condenada a indenizar a família do músico por danos morais e materiais (num valor ainda não estipulado pela Justiça), a Fiat ainda não emitiu comunicado oficial sobre a sentença.
TRIBUTO CARIOCA A CHICO SCIENCE
O falecido líder da Nação Zumbi inspira o evento Circo Science, com inauguração dia 17
Marco Antonio Barbosa
16/07/2001
Chico Science é o "muso inspirador" do evento Circo Science, que a Fundição Progresso (RJ) vai organizar quinzenalmente, com estréia neste dia 17 de julho. O fundador do grupo Nação Zumbi, falecido em 1997, será homenageado pela banda carioca Doctor Kumalo, que vai reinterpretar algumas de suas canções, além de tocar músicas próprias e covers de Jorge Ben Jor, O Rappa e Pedro Luís & A Parede. Além da música, o evento também vai contar com exibição de instalações de arte digital, dentro do projeto Monitores
CONCLUSÃO
Cantor e compositor pernambucano (Francisco de Assis França, seu nome verdadeiro), nasceu a 13 de março de 1966 e morreu, em conseqüência de um desastre de automóvel, em Olinda, no dia 02 de fevereiro de 1997.
Foi o idealizados do movimento que criou a manguebeat (batida do mangue) , uma mistura de música pop internacional com ritmos regionais nordestinos como o maracatu e outros.
Deixou dois discos gravados: "Da Lama ao Caos", que foi lançado juntamente com o manifesto "Caranguejos com Cérebro" , definindo as bases do Movimento Mangue; e "Afrociberdélia".
Chico Science dizia que o propósito do movimento criado por ele e pela Banda Nação Zumbi era "resgatar os ritmos negros do Nordeste com uma visão mundial".
O compositor Gilberto Gil considerava Chico Science (juntamente com o grupo baiano Olodum e o compositor Carlinhos Brown) "o que surgiu de mais importante na música brasileira nos últimos vinte anos".
Com a Banda Nação Zumbi foi eleito pela Associação de Críticos Musicais de São Paulo o melhor grupo musical brasileiro de 1996.
Caranguejos com cérebro
por Fred Zero Quatro
foto: arquivo pessoal leofotoarte
Caranguejos com cérebro é o primeiro manifesto do Mangue.
Mangue, o conceito
Estuário. Parte terminal de rio ou lagoa. Porção de rio com água salobra. Em suas margens se encontram os manguezais, comunidades de plantas tropicais ou subtropicais inundadas pelos movimentos das marés. Pela troca de matéria orgânica entre a água doce e a água salgada, os mangues estão entre os ecossistemas mais produtivos do mundo.
legenda: Distribuição dos manguezais no planeta
Estima-se que duas mil espécies de microorganismos e animais vertebrados e invertebrados estejam associados à vegetação do mangue. Os estuários fornecem áreas de desova e criação para dois terços da produção anual de pescados do mundo inteiro. Pelo menos oitenta espécies comercialmente importantes dependem do alagadiço costeiro.
Não é por acaso que os mangues são considerados um elo básico da cadeia alimentar marinha. Apesar das muriçocas, mosquitos e mutucas, inimigos das donas-de-casa, para os cientistas são tidos como símbolos de fertilidade, diversidade e riqueza.
Manguetown, a cidade
A planície costeira onde a cidade do Recife foi fundada é cortada por seis rios. Após a expulsão dos holandeses, no século XVII, a (ex)cidade *maurícia* passou desordenadamente às custas do aterramento indiscriminado e da destruição de seus manguezais.
Em contrapartida, o desvairio irresistível de uma cínica noção de *progresso*, que elevou a cidade ao posto de *metrópole* do Nordeste, não tardou a revelar sua fragilidade.
Bastaram pequenas mudanças nos ventos da história, para que os primeiros sinais de esclerose econômica se manifestassem, no início dos anos setenta. Nos últimos trinta anos, a síndrome da estagnação, aliada a permanência do mito da *metrópole* só tem levado ao agravamento acelerado do quadro de miséria e caos urbano.
Mangue, a cena
Emergência!
Um choque rápido ou o Recife morre de infarto!
Não é preciso ser médico para saber que a maneira mais simples de parar o coração de um sujeito é obstruindo as suas veias. O modo mais rápido, também, de infartar e esvaziar a alma de uma cidade como o Recife é matar os seus rios e aterrar os seus estuários. O que fazer para não afundar na depressão crônica que paralisa os cidadãos? Como devolver o ânimo, deslobotomizar e recarregar as baterias da cidade? Simples! Basta injetar um pouco de energia na lama e estimular o que ainda resta de fertilidade nas veias do Recife.
Em meados de 91, começou a ser gerado e articulado em vários pontos da cidade um núcleo de pesquisa e produção de idéias pop. O objetivo era engendrar um *circuito energético*, capaz de conectar as boas vibrações dos mangues com a rede mundial de circulação de conceitos pop. Imagem símbolo: uma antena parabólica enfiada na lama.
Hoje, Os mangueboys e manguegirls são indivíduos interessados em hip-hop, colapso da modernidade, Caos, ataques de predadores marítimos (principalmente tubarões), moda, Jackson do Pandeiro, Josué de Castro, rádio, sexo não-virtual, sabotagem, música de rua, conflitos étnicos, midiotia, Malcom Maclaren, Os Simpsons e todos os avanços da química aplicados no terreno da alteração e expansão da consciência.
Bastaram poucos anos para os produtos da fábrica mangue invadirem o Recife e começarem a se espalhar pelos quatro cantos do mundo. A descarga inicial de energia gerou uma cena musical com mais de cem bandas. No rastro dela, surgiram programas de rádio, desfiles de moda, vídeo clipes, filmes e muito mais. Pouco a pouco, as artérias vão sendo desbloqueadas e o sangue volta a circular pelas veias da Manguetown.
Obtido em "http://pt.wikisource.org/wiki/Caranguejos_com_c%C3%A9rebro"
Categorias: Manifestos | 1992
O Manguezal
Também chamado de mangue, é um ecossistema costeiro, de transição entre os ambientes terrestre e marinho, uma zona úmida característica de regiões tropicais e subtropicais.
Associado às margens de baías, enseadas, barras, desembocaduras de rios, lagunas e reentrâncias costeiras, onde haja encontro de águas de rios com a do mar, ou diretamente expostos à linha da costa, está sujeito ao regime das marés, sendo dominado por espécies vegetais típicas, às quais se associam outros componentes vegetais e animais.
Ao contrário do que acontece nas praias arenosas e nas dunas, a cobertura vegetal do manguezal instala-se em substratos de vasa de formação recente, de pequena declividade, sob a ação diária das marés de água salgada ou, pelo menos, salobra.
Devem-se distinguir os termos "manguezal" (ecossistema) de "mangue", termo comum dado as espécies vegetais características desses habitats.
Características
O solo
O solo do manguezal caracteriza-se por ser úmido, salgado, lodoso, pobre em oxigênio e muito rico em nutrientes. Por possuir grande quantidade de matéria orgânica em decomposição, por vezes apresenta odor característico, mais acentuado se houver poluição. Essa matéria orgânica serve de alimento à base de uma extensa cadeia alimentar, como por exemplo, crustáceos e algumas espécies de peixes. O solo do manguezal serve como habitat para diversas espécies, como caranguejos.
Vegetação
Em virtude do solo salino e da deficiência de oxigênio, nos manguezais predominam os vegetais halófilos, em formações de vegetação litorânea ou em formações lodosas. As suas longas raízes permitem a sustentação das árvores no solo lodoso.
Os manguezais são encontrados ao longo de todo o litoral brasileiro, onde as principais espécies de árvores típicas deste bioma são:
- Rhizophora mangle (mangue-vermelho) - próprio de solos lodosos, com raízes aéreas;
- Laguncularia racemosa (mangue-branco) - encontrado em terrenos mais altos, de solo mais firme, associado a formações arenosas;
- Avicennia schaueriana (mangue-preto, canoé)
- Conocarpus erectus (mangue-de-botão)
A espécie Laguncularia racemosa merece destaque por ser a única espécie típica de mangue encontrada no Arquipélago de Fernando de Noronha, num único manguezal localizado na Baía do Sueste.
No Indo-Pacífico, as árvores típicas do mangal são a Rhyzofora mucronata (mangal vermelho), a Avicenia marina (mangal branco), a Brughiera gymnorhyza e o Ceriops tagal.
A "Rhizophora racemosa" é uma das espécies características do manguezal. Aqui, próximo a Vigia (Pará, norte do Brasil), na maré baixa.
A fauna
A biodiversidade dos manguezais se traduz em significativa fonte de alimentos para as populações humanas. Nesses ecossistemas se alimentam e reproduzem mamíferos, aves, peixes, moluscos e crustáceos, entendidos os recursos pesqueiros como indispensáveis à subsistência tradicional das populações das zonas costeiras. Entre essas espécies, destacam-se:
Aves
- Bem-te-vi (Pitangus sulphuratus)
- Carcará (Caracara plancus)
- Colhereiro (Platalea ajaja)
- Garça
- Guará-vermelho
- Martim-pescador
- Socó-dorminhoco
- Gavião carijó
- Gavião-carrapateiro
Mamíferos
Répteis
Peixes
Invertebrados
- Aranha
- Berbigão
- Camarão
- Caranguejo aratu (Caranguejo marinheiro)
- Caranguejo guaiamum
- Caranguejo-uçá
- Chama-maré
- Craca
- Lagosta
- Mariposa
- Mexilhão
- Minhoca
- Mosca
- Mosquito
Importância dos manguezais
Espécie de mangue (Queensland, Austrália).
Os manguezais desempenham importante papel como exportador de matéria orgânica para os estuários, contribuindo para a produtividade primária na zona costeira. Por essa razão, constituem-se em ecossistemas complexos e dos mais férteis e diversificados do planeta. A sua biodiversidade faz com que essas áreas se constituam em grandes "berçários" naturais, tanto para as espécies típicas desses ambientes, como para animais, aves, peixes, moluscos e crustáceos, que aqui encontram as condições ideais para reprodução, eclosão, criadouro e abrigo, quer tenham valor ecológico ou econômico.
Com relação à pesca, os manguezais produzem mais de 95% do alimento que o homem captura no mar. Por essa razão, a sua manutenção é vital para a subsistência das comunidades pesqueiras que vivem em seu entorno.
Com relação à dinâmica dos solos, a vegetação dos manguezais serve para fixar os solos, impedindo a erosão e, ao mesmo tempo, estabilizando a linha de costa.
As raízes do mangue funcionam como filtros na retenção dos sedimentos. Constituem ainda importante banco genético para a recuperação de áreas degradadas, por exemplo, como aquelas por metais pesados.
A destruição dos manguezais gera grandes prejuízos, inclusive para economia, direta ou indiretamente, uma vez que são perdidas importantes frações ecológicas desempenhadas por esses ecossistemas. Entre os problemas mais observados destacam-se o desmatamento e o aterro de manguezais para dar lugar a portos, estradas, agricultura, carcinocultura estuarina, invasões urbanas e industriais, derramamento de petróleo, lançamento de esgotos, lixo, poluentes industriais, agrotóxicos, assim como a pesca predatória, onde é muito comum a captura do caranguejo-ucá durante a época de reprodução, ou seja nas "andadas", quando torna-se presa fácil. É preciso conhecer e respeitar os ciclos naturais dos manguezais para que o uso sustentado de seus recursos seja possível.
Utilização sustentável dos manguezais
Muitas atividades podem ser desenvolvidas no manguezal sem lhe causar prejuízos ou danos, entre elas:
- Pesca esportiva, artesanal e de subsistência, desde que se evite a sobrepesca, a pesca de pós-larvas, juvenis e de fêmeas ovadas;
- Utilização da madeira das árvores, desde que se assegure a reflorestação;
- Cultivo de ostras e outros organismos aquáticos;
- Cultivo de plantas ornamentais (orquídeas e bromélias);
- Criação de abelhas para a produção de mel;
- Desenvolvimento de atividades turísticas, recreativas, educacionais e de pesquisa científica.
Manguezais no Brasil
Localização
Localizam-se no encontro de rios e mares. Estima-se que, em todo o planeta, existam cerca de 172.000 km² de manguezais. Desse total, cerca de 15%, ou seja, cerca de 26.000 km², distribuem-se pelo litoral do Brasil, desde o estado do Amapá até Laguna, em Santa Catarina.
Em Pernambuco existem cerca de 270 quilômetros quadrados de manguezais; na Paraíba, cerca de 160 quilômetros quadrados; o Maranhão detém 85% dos manguezais da região norte-nordeste, o que equivale a 500 mil hectares. A ilha de Fernando de Noronha é a possuidora da menor extensão de manguezal no país.
Exemplos de utilização sustentável
- O Manguezal do Itacorubi, na ilha de Santa Catarina, em Florianópolis, considerado um dos maiores mangues urbanos do mundo, possui passarelas e placas informativas para os seus visitantes. Atualmente essa não é a realidade do local, onde as passarelas encontram-se quebradas, com partes em madeira caídas dentro do próprio mangue e as placas informativas encontram-se pichadas e bastante deterioradas pela ação do tempo.
- Na Reserva Extrativista da Costeira do Pirajubaé, a caminho do Aeroporto Hercílio Luz, em Florianópolis, é feita a coleta de berbigões pela população local.
Mangais em Moçambique
Os mangais ocorrem ao longo de toda a costa de Moçambique, com exceção das zonas de dunas costeiras, mas são mais abundantes na região norte, tropical, cobrindo uma área estimada em cerca de 400 mil hectares.[1]
As árvores de mangal aqui existentes (e em todo o Indo-Pacífico) são a Rhyzofora mucronata (mangal vermelho), a Avicenia marina (mangal branco), a Brughiera gymnorhyza e o Ceriops tagal.
O Manguebeat como Política de Representação
Nara Aragão Fonseca
Resumo
O Manguebeat aponta para uma nova política de representação, onde se negociam espaços através de processos de desencaixe. Essa estratégia possibilita o questionamento das metanarrativas e, através da desidentificação, propõe novas maneiras de articular identidades periféricas. Essa estratégia, porém, limita-se ao campo da representação.
Palavras-chave Identidades; Representação; Manguebeat
Abalando as Estruturas de Poder
Introdução
A década de 90 em Recife presenciou o surgimento de uma nova maneira de ver a cultura local, através do estabelecimento da chamada cena mangue. Articulando centro e periferia e relacionando de uma nova forma cultura popular e cultura pop, o conceito manguebeat que começou na música e depois passou a influenciar outros setores da cultura, teve projeção inédita. O sucesso e a difusão da cena começou com os primeiros shows das bandas Chico Science e Nação Zumbi e Mundo Livre S/A e ganhou importância com o reconhecimento na mídia, com shows em grandes centros do país (São Paulo e Rio de Janeiro) e do mundo (Europa, Estados Unidos) e com eventos de contato direto com o público local em festivais como o Abril pro Rock. Antes de se transformar em “cena”, o mangue era apenas a tradução da inquietude de um grupo de jovens que queriam ver a cidade sair do marasmo cultural em que se encontrava e achava que para isso era necessário falar das mazelas de uma cidade periférica em plena globalização.
Do início à metade do século XX
Pode-se perceber na cultura ocidental em geral os reflexos de uma relação de poder diretamente associada ao projeto moderno. Na cultura oficial só é assimilada a manifestação cultural incorporada por um discurso legitimador. Nesse momento, o conhecimento e a expressão se especializam e a arte e a cultura como um todo passam a circular apenas no circuito dos iniciados – os próprios artistas, os críticos, os pensadores. Com a produção cultural dependendo da legitimação dessa inteligentsia, as relações de poder se fortalecem e acentuam a marginalização das culturas periféricas. O pensamento moderno expressa um esforço pela universalidade em seu discurso, que reflete um ímpeto de progresso industrial e expansão global de mercados e isso proporciona visões fetichizadas das periferias que serviriam às necessidades legitimadoras do discurso dominante, inibindo as possibilidades de auto-representação dos indivíduos aí inseridos.
A fase posterior, de uma tendência pós-moderna, é marcada por uma tentativa de explorar o poder em representação, dando ênfase às margens. De algumas décadas para cá, têm surgido sinais dessa nova ordem, o que, segundo Giddens, seria uma acentuação ou radicalização das conseqüências da modernidade.
1 (GIDDENS: 1991, p.12)
A teoria pós-moderna vai trazer questionar a capacidade de uma linguagem ou discurso de produzir verdades. Para Giddens, “a desorientação que se expressa na sensação de que não se pode obter conhecimento sistemático sobre a organização social (...) resulta, em primeiro lugar, da sensação de que muitos de nós temos sido apanhados num universo de eventos que não compreendemos plenamente, e que parecem em grande parte estar fora de nosso controle”. A partir dessa incerteza com relação a uma narrativa que nos insira na história (uma metanarrativa), desenvolve-se o ataque à política de representação moderna no discurso cultural. São críticas às estruturas de poder envolvidas na representação, com ênfase na articulação das margens ou do que é projetado como marginal. Steven Connor fala inclusive de uma acentuação dessa ênfase nas margens até o ponto de alguns teóricos como Gayatri Spivak e Homi Bhabha questionarem esse modelo como reprodução de modelos colonialistas de pensamento.
Eram os Subaltern Studies, corrente que parte de uma nova conceituação do termo “subalterno”. Este termo remonta a Gramsci, que denomina como “subalterno” os pertencentes às classes oprimidas, como uma forma de substituir o termo marxista “proletariado”. Alguns novos teóricos, a partir da conceituação de Gramsci que, diferentemente do termo anterior, pressupõe subordinação, submissão, começaram a perceber que as formas de opressão estão além da classe e da condição econômica e que também há opressão com bases culturais, étnicas. Assim, como uma complementação ao conceito gramsciano e à teoria marxista, o conceito de subalterno foi ampliado. Para Spivak, o subalterno é aquele que não é representado, inclusive na representação que se propõe dar a ele, porque, a partir do momento em que é representado, ele já é inserido em um discurso e perde o caráter de subalternidade. Gramsci considera a cultura subalterna essencialmente folclórica, espontânea, fundada no senso comum mais que uma concepção científica do mundo.Os Subaltern Studies vão questionar se essa cultura seria mesmo subalterna ou apenas uma das estratégias de sua incorporação no discurso hegemônico, que serviria a interesses da cultura dominante. A partir desse posicionamento, passam a se desenvolver novos esforços na tentativa de articular as classes subalternas em torno de suas estratégias de representação.
E é como crítica às estruturas de poder da representação e tentativa de articulação das classes subalternas que tem se desenvolvido a produção cultural no estado de Pernambuco nas últimas décadas. Hoje, pode-se sentir uma tendência do discurso dominante de incorporar setores marginalizados antes não representados ou cujas representações se restringiam a círculos fechados, mas isso só aconteceu depois de muito tempo em que a cultura do estado passou por fases consecutivas de negação da cultura urbana periférica.
2 BEVERLEY: 1999, p. 102 3 Ibid., p. 105/106 4
Tendências Conservadoras
Pernambuco reagiu ao modernismo com estratégias culturais que buscavam preservar a “pureza” da cultura pernambucana. Durante quase todo o século XX a produção cultural estava voltada para dentro. Valorizando e preservando as raízes da cultura nordestina, o estado passou por um longo período com poucas mudanças. As principais tendências que surgiram durante este período foram o Regionalismo e o movimento Armorial.
O Regionalismo surgiu no início do século com intenção de desenvolver o sentimento de unidade do Nordeste dentro dos novos valores modernistas, pregando a conservação dos valores tradicionais. Essa tendência sempre foi alimentada (e até hoje, em parte o é) pelas políticas oficiais de incentivo à produção cultural no estado. Em torno da intenção de unificação, se aglomeravam diversos intelectuais que acreditavam no Regionalismo como uma maneira de não perder de vista as raízes culturais em meio às tendências modernistas. Durante o Congresso Regionalista de Recife, em 1926, especificamente voltado para essa discussão, os regionalistas publicaram o Manifesto Regionalista, escrito por Gilberto Freyre, que convocava os nordestinos a resgatar os valores nativos tradicionais e a cultura local nas suas diversas manifestações, contra o que ele chama de “mau cosmopolitismo e falso modernismo”:
Donde a necessidade deste Congresso de Regionalismo definir-se a favor de valores assim negligenciados (...) por brasileiros a quem a consciência regional e o sentido tradicional do Brasil vêm desaparecendo sob uma onda de mau cosmopolitismo e de falso modernismo. É todo o conjunto da cultura regional que precisa ser defendido e desenvolvido. (FREYRE: 1952, p.78)
As idéias regionalistas tomaram forma em uma produção literária comprometida com a problemática nordestina, e tiveram como fruto diversas obras até hoje consideradas importantes, como os livros de Gilberto Freyre, Rachel de Queiroz e José Lins do Rego. Depois disso, a única manifestação de grande relevância e influência foi o Movimento Armorial, lançado oficialmente em Recife na década de 70, e que pretendia produzir arte erudita a partir da cultura popular. Influenciado pelo Regionalismo, pregava a preservação da cultura popular “pura” e via o consumo da cultura pop (principalmente americana) como colonização cultural. Com o desenvolvimento da produção cultural nesses moldes, de apropriação de elementos da cultura popular em roupagem erudita para o consumo de classes intelectualizadas, as periferias urbanas só surgiam em uma visão excessivamente romantizada. Além disso, as gerações mais novas não se sentiam representadas, pois sua convivência com a cultura pop estava sendo ignorada. O discurso armorial, liderado pelo discurso de Ariano Suassuna, reforçava a crença de que, qualquer referência vinda de uma cultura de massas, tinha caráter alienante.
Amarrada a essas tendências durante tanto tempo, a movimentação cultural em Recife passou por um marasmo criativo de muitos anos. As estratégias culturais se baseavam no resgate e conservação de coisas que já existiam. Alguns grupos musicais que foram além disso, limitavam-se a “copiar” ou “imitar” a música pop americana ou britânica. Isso foi causando um crescente incômodo em alguns setores culturais pela carência de criação e inclusão. A vontade de dar esse passo à frente, de se fazer representar através de coisas novas, propiciou uma movimentação na cultura jovem urbana recifense, que foi o que resultou na publicação do 1º “manifesto” mangue, iniciativa de jovens que cresceram vendo TV e cinema e ouvindo rádio, numa época em que as informações (discos, livros, vídeos) começavam a circular com mais facilidade. Para eles, a estratégia de representação passava pela referência à cultura de massas globalizada que foi parte de sua formação. Logo, o contexto de surgimento da cena mangue é um ambiente em que a produção artística e cultural em geral sofre constante influência dos meios de comunicação de massa e da globalização.
Novas Articulações
No final do século XX, na década de 90 em Recife, vimos surgir uma cena cultural com inédita repercussão no resto do país e até fora dele. A partir da música e de uma atitude que refletia a diversidade de referências culturais típicas da contemporaneidade, a nova produção ganhou projeção na mídia e gerou muita identificação com um público consumidor de cultura de várias classes. Assim surgia o manguebeat, que iria depois influenciar a 6 produção cultural em várias outras áreas além da música. A nova movimentação envolvia, originalmente, motivação política e contestação. O manguebeat surgiu no Recife nos primeiros anos da década de 90. Segundo a descrição de Renato L, um dos “mentores” do manguebeat, "trabalhando em cooperativa, duas bandas desconhecidas, Chico Science e Nação Zumbi e Mundo Livre S/A, juntaram-se a alguns jornalistas, designers e desempregados, para tentar criar uma cena artística capaz de quebrar o marasmo que dominava a vida local. O termo é inspirado nos manguezais, a vegetação que dominava boa parte da área sob a qual foi construído o Recife. A idéia era gerar uma cena tão rica e diversificada quanto esse ecossistema, de modo a abranger toda a complexidade embutida potencialmente na vida de uma cidade grande."
O Manguebeat também teve seu manifesto. Em março de 1992 foi publicado na imprensa local o manifesto mangue, que expressava a insatisfação da classe cultural da época com a ordem vigente. O manifesto consistia de um release que foi elaborado pelos participantes dos grupos que iniciaram o manguebeat e enviado a toda a grande imprensa local, em que estes jovens reivindicavam que a cena cultural saísse do marasmo em que se encontrava e abrisse os olhos para o potencial que havia ali. Segundo o manifesto, com a riqueza da cultura local e com a bagagem de referências que se tinha, havia um potencial latente, esperando por um primeiro impulso para tirar a cena da inércia cultural e política em que se encontrava. Foi essa motivação política, contestatória, que impulsionou os músicos a se unir e produzir. E as opções estéticas adotadas são conseqüência desta atitude. Assim, não era só pela afinidade ou gosto que as músicas tinham elementos regionais e referências pop globais. Essa era uma maneira de também mostrar que era necessário se abrir para um diálogo com as influências externas e de se abrir para dar voz a essa complexidade de que fala Renato L., sem negar as origens culturais. Essa era uma maneira de afrontar as tendências culturais que reinavam há vários anos em Pernambuco como o movimento Armorial e o Regionalismo.
Aliás, é dessa paixão pelo funk, o primeiro amor consciente de Chico (Science) no mundo da música, que veio a valorização da batida, do ritmo, a grande contribuição dos negros para a música popular do século XX. Surgiu daí o impulso primordial que vai levar uma Nação Zumbi a redescobrir o côco, o maracatu e outros ritmos locais. É o groove do Maracatu que vai chamar a atenção da banda, e não uma suposta necessidade de se preservar a cultura popular.
Nesse ponto, as diferenças entre o Mangue e o movimento Armorial são intransponíveis. A tentação de colocar numa espécie de solução em formol as manifestações populares nunca fez parte de nossos planos. Muito pelo contrário, a idéia era dar condições para que elas pudessem dialogar com o mundo contemporâneo, fertilizando-se no processo e assim voltando à vida. (LINS: 2004)
Influenciados por ideais de justiça social e liberdade, os idealizadores do manguebeat valorizavam as qualidades das periferias e as referências dos meios de comunicação de massa, pela possibilidade de diálogo com outras culturas – ou com uma cultura globalizada, reforçando a presença cultural internacional.
A gente havia se apaixonado por música via movimentos que enfatizavam o coletivo e o faça-vocêmesmo, coisas comuns ao Punk e ao Hip Hop. E ainda se lia sobre a acid-house, outra trip envolvendo esforço em conjunto. Daí veio a idéia de criar uma “cena”, uma palavra que permitia a integração orgânica entre nossas diferentes atividades e gostos e que era pouco usada no Brasil. Acho que numa despretensiosa meiahora surgiram os esboços de quase todos os conceitos básicos do Mangue.(LINS: 2004)
4 LINS: 2004
Através da apropriação de valores e representações da periferia por ela mesma, a cena mangue expressava sua recusa às metanarrativas, afirmando a diferença e trazendo elementos de uma cultura global que se misturam com elementos da cultura popular local, da cultura pop e da cultura erudita. E o que permite que essa mistura aconteça é o processo de “desencaixe” mencionado por Giddens, através da criação de fichas simbólicas que circulam desvinculadas de uma conjuntura específica. É através de fichas simbólicas que o manguebeat incorpora esses elementos.
Mas a periferia não estava silenciada esse tempo todo. Havia esforços de vários lados que, porém, isolados, não conseguiam atingir o sucesso na grande mídia e com o público.
Assim foi, por exemplo, com as bandas de hip hop e hard core do Alto José do Pinho, morro do subúrbio recifense. Grupos que tocavam há muito tempo, mas não conseguiam sair de suas comunidades. A partir da movimentação em torno da cena mangue, a mídia em geral voltou-se mais para o que esses grupos marginalizados tinham a dizer. E foi com a divulgação que o público foi se ampliando e as bandas crescendo, chegando até a influenciar outras estratégias culturais na comunidade com a intenção de mudar a situação social, como oficinas de música com jovens, grupos de grafiteiros, rádio comunitária, etc. Foi no Alto José do Pinho que surgiram as bandas Devotos do Ódio e Faces do Subúrbio, que criaram fama e vieram a se tornar referências depois.
Não foi só a novidade que fez com que a cena mangue alcançasse o sucesso que alcançou. A maneira de se posicionar e de manifestar sua insatisfação com a situação cultural da cidade estimulou uma reflexão geral sobre o papel da cultura pós-moderna nessa cena.
E essa atitude com relação às margens vai tentar se legitimar por oposição ao estabelecido, assumindo a forma do que Steven Connor chama de “desidentificação”. Baseado na obra de Michel Pêcheux, Connor afirma que há três reações possíveis ao poder das instituições: a identificação, que seria a vida nos termos dessas instituições, a “contra-identificação”, que seria a reversão dos termos de seu discurso, porém dentro da mesma lógica da estrutura dominante de idéias e a “desidentificação”, que é uma reação tipicamente pós-moderna ao poder das instituições, dos discursos ou das estruturas de conhecimento. A “desidentificação”, no caso da cena mangue, se dava a partir da incorporação de elementos da cultura de massas e de sua relação com o marginal, o periférico. Isso desmantelava toda a estrutura anteriormente estabelecida, não porque se opunha diretamente a ela, mas porque vinha propondo uma nova ordem, uma nova forma de estruturação.
Pode-se considerar também esta como sendo uma característica intrínseca do rock, pós-moderno por natureza (como afirma Connor). O rock’n roll surge em consonância com a visão pós-moderna de mundo. Para o rock, não existem regras nem um objetivo claro a ser cumprido, a não ser a própria satisfação instintiva imediata. E também não há regras para inclusão – o rock é como um imenso buraco negro em que novas formas são incorporadas com muita facilidade, que admite sucessivas reciclagens, retomadas, releituras, retornos e versões cover.
Assim como o rock da maneira como surgiu, as manifestações da cena mangue abalavam a crença no culto à originalidade total (a crença num começo absolutamente novo), com a subversão das idéias de origem e originalidade. Não que o discurso agora seja baseado na cópia, mas sim na transformação. Essa, aliás, seria a palavra-chave, embutida no que poderia ser a máxima dessa tendência: “nada se cria, tudo se transforma”.
Teixeira Coelho consegue localizar essa transformação pós-moderna através das relações entre arte e cultura de massa:
À medida que o século (XX) avança, tudo – da publicidade à moda, do projeto de máquinas ao trato corporal – vai incorporando, se não o processo da arte, pelo menos as aparências formais da arte. (...) Até que, num dado instante, as pessoas passaram a ver os comerciais e não os filmes ou shows: havia “mais arte” no comercial (na realidade, a arte do novo tempo era o comercial). Num segundo momento, definiu-se uma estética da publicidade (...) e num terceiro, a arte, ou algo semelhante a isso, começou a seguir as propostas dessa outra “arte”, a publicidade. O círculo se fechou, a cobra mordeu o rabo. Nesse momento, entra em cena a pós-modernidade. (COELHO: 1995, p. 33)
E é no momento em que “a cobra morde o rabo”, que a arte bebe da publicidade e qualquer forma de representação bebe de outra. É aí que o mangue bebe na cultura de massas em outros estilos musicais e que outros setores da cultura vêm beber na cena mangue, como a moda, a literatura, as artes plásticas e o cinema, no que Jameson considera uma característica fundamental pós-moderna: o apagamento da antiga fronteira entre a alta cultura e a cultura de massa.
Os músicos da cena mangue vinham propor transformação no samba, no maracatu, na música pop, no hip hop, no punk, e, sendo mais geral, no rock propriamente dito. A banda Nação Zumbi, por exemplo, retrabalhava o rock dos anos 60, mas incorporando elementos de soul, funk e hip hop.
CONNOR: 1996, p. 149
A partir da incorporação da música eletrônica e sampling, todo estilo pode ser fragmentado, reutilizado, reciclado. É uma fonte que nunca se esgota – a música pós-moderna pode viver às custas de si mesma, de suas próprias formas, de sua própria história. Connor fala sobre esses princípios de articulação e reciclagem na música pós-moderna:
A maioria dos relatos ou celebrações do rock ou da música popular pós-modernos enfatiza dois fatores relacionados: em primeiro lugar, sua capacidade de articular identidades culturais alternativas ou plurais de grupos pertencentes à margem das culturas nacionais ou dominantes; e, em segundo (com freqüência, mas não invariavelmente, vinculado com o primeiro ponto), a celebração dos princípios da paródia, do pastiche, da multiplicidade estilística e da mobilidade genérica. (Connor: 1995, p. 151)
As fichas simbólicas então, totalmente desencaixadas, vão circular num turbilhão cada vez mais rápido. A partir desse mix de referências, vão surgir novas formas de identificação bem mais complexas. O sujeito periférico ganha voz porque passa a fazer parte da mesma teia global em que se constrói o discurso hegemônico. Ou seja, as estratégias de negociação de espaços encampadas pelo Manguebeat propõem novas maneiras de articulação que, porém, limitam-se ao campo da representação.
6 JAMESON, 1996
Referências Bibliográficas
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COELHO, Teixeira. Moderno Pós-moderno. São Paulo: Iluminuras, 1995.
CONNOR, Steven. Cultura Pós-moderna. Introdução às Teorias do Contemporâneo. São Paulo: Edições Loyola, 1993
FREYRE, Gilberto. Manifesto Regionalista de 1926. Recife: Região, 1952
GIDDENS, Anthony. As Conseqüências da Modernidade. São Paulo: Editora UNESP, 1991
JAMESON, Frederic. Pós-modernismo ou a Lógica Cultural do Capitalismo Tardio. São Paulo: Editora Ática, 1996
Internet
LINS, Renato. “Mangue Beat – Breve Histórico do seu Nascimento” no site A Maré Encheu, disponível na Internet. URL: http://carlota.cesar.org.br/mabuse/newstorm.notitia.apresentacao .ServletDeSecao?codigoDaSecao=683&dataDoJornal=atual. Acesso em 20/09/2004
LINS, Renato. “Arqueologia do Mangue. As Primeiras horas do Mangue e seu desenvolvimento” no site Manguetronic. Disponível na Internet. URL: www.manguetronic.com.br. Acesso em 20/09/2004
Parabólica na lama – Contradições do manguebeat
ANTENNA STUCK IN THE MUD: AN ANALYSIS OF THE CONTRADICTIONS OF THE MANGUEBEAT MOVEMENT.
Ana Paula Pacheco Godoy, Sinésio Feraz Bueno, Campus de Marília- Faculdade de Filosofia e Ciências- Ciências Sociais- Ana_Paula_Godoy@hotmail.com- Bolsista FAPESP. Palavras chaves: Manguebeat; Indústria Cultural; mídia. Keywords: Manguebeat; Culture Industry; media.
1-INTRODUÇÃO
O Movimento Manguebeat tem sido alvo de muitos estudos acadêmicos na atualidade. Por meio de diferentes abordagens o Movimento é tratado como mais um momento na historia da relação entre a cultura brasileira e a cultura ocidental. Um traço comum entre esses trabalhos é a análise da relação entre cultura local e cultura global, bem como o hibridismo musical caracterizado pela combinação de sons, e seu conteúdo político de resistência e de protesto. A presente pesquisa é dedicada à reflexão sobre a inserção, em grande medida, irrefletida, do Movimento Manguebeat no contexto da indústria cultural e seus meios de comunicação. Nossa hipótese é que essa inserção comprometeu o caráter contestador que inicialmente animou a criação do Manguebeat
2-FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E OBJETIVOS
Como pudemos verificar desde o início da presente pesquisa as abordagens acadêmicas sobre o Movimento Manguebeat acentuam, de diferentes maneiras, seu conteúdo de resistência e seu caráter de protesto. A proposta desta pesquisa é, no entanto, tentar entender como esses movimentos se colocam na mídia e diante dos veículos de divulgação comercial que fazem parte do mercado de consumo dos produtos do sistema capitalista e apontar as contradições que envolvem essa inserção.Com esse objetivo, centraremos nosso trabalho na análise de dois momentos contraditórios, que envolvem o Movimento, sendo, o primeiro no que se refere à forma como o movimento se vê e é visto, e o segundo, na prática de divulgação e inserção no mercado da industria fonográfica. Conforme pudemos constatar o Manguebeat nasce da indignação dos jovens da periferia de Recife e Olinda diante do fechamento da cultura nordestina para dentro de si mesma, expressada na combinação entre o popular e o erudito, feita por Ariano Suassuna e seu Movimento Armorial, além do estado caótico em que se encontrava a capital Recife, com um quadro de violência e pobreza acentuadas. Diante desse quadro, a intenção da juventude recifense constituiu em realçar a existência de uma rica movimentação cultural, mesmo diante da persistência dos graves problemas sociais . Nesse sentido, a imagem símbolo do movimento, a parabólica fincada na lama, acentua de maneira exemplar o tipo de conexão com o mundo almejada pelo Movimento. No entanto, nesta tentativa de conexão, que consiste em se fazer ver pelo mundo e integrar um cenário cultural mais amplo, o Movimento inseriu-se em grande medida irrefletidamente no contexto da indústria cultural e seus meios de comunicação. Nossa hipótese é que essa inserção comprometeu o caráter contestador que inicialmente animou a criação do Manguebeat. Para compreendermos esse comprometimento, comentaremos três aspectos importantes da crítica endereçada por Adorno e Horkheimer, pensadores alemães dedicados à chamada Teoria Crítica da Sociedade, à indústria cultural.
1) Segundo os dois pensadores,
as necessidades de entretenimento que a indústria cultural se propõe atender não resultam da suposta capacidade autônoma de escolha por parte dos consumidores. Pelo contrário, os desejos satisfeitos pela indústria cultural, sendo o resultado de uma condição heterônoma do homem contemporâneo, promovem a integração ao statu quo, reproduzindo o estado de não-liberdade. Assim, em grande medida podemos questionar a alegada liberdade de escolha, uma vez que a catalogação estatística dos consumidores de cultura produz uma ampla variedade de produtos, de acordo com a categoria em que cada um está previamente enquadrado. “Para todos algo está previsto; para que ninguém escape, as distinções são acentuadas e difundidas. O fornecimento ao público de uma hierarquia de qualidades serve apenas para uma quantificação ainda mais completa” (1985, p. 116).
2) No contexto de um estado falso de liberdade de escolha,
em que as distinções entre os produtos de cultura são acentuadas com o objetivo de se mascarar o planejamento, os próprios traços de espontaneidade dos artistas e do público estão inseridos em esquemas prévios. Embora isso não signifique a impossibilidade de que algo efetivamente novo seja produzido, destaca-se que a embalagem da “novidade” é um dos recursos mais importantes que a indústria cultural mobiliza para mascarar o antigo com a aparência do novo. Segundo Adorno e Horkheimer, “os talentos já pertencem à indústria muito antes de serem apresentados por ela: de outro modo não se integrariam tão fervorosamente” (1985, p. 115).
3) A padronização dos produtos,
que é o resultado necessário da quantificação comentada no item 1, é mascarada pela indústria cultural por meio da pseudoindividuação, ou seja, pela produção artificial da sensação de liberdade de escolha. Segundo Adorno e Simpson, se o controle das consciências não fosse camuflado, seriam provocadas resistências que dificultariam a aceitação dos produtos. Assim, por meio da pseudoindividuação, os ouvintes são envolvidos pela auréola da livre escolha, mantidos enquadrados, esquecendo-se de que “o que eles escutam já é sempre escutados por eles, pré-digerido” (1986, p.123). Quando consideramos a análise proposta por Adorno e Horkheimer para refletir sobre a inserção na indústria cultural de movimentos musicais dotados de forte caráter contestatório, disso resulta que existe uma grande possibilidade de que mesmo os movimentos musicais que pretendem escapar à estandardização da indústria cultural, acabam reproduzindo os esquemas por ela preformados. Conforme vimos, a industria cultural suscita necessidades de entretenimento nas pessoas e depois acena com a possibilidade de satisfazê-las, em um processo no qual essa satisfação não se dá sem que, em grande medida, a liberdade de escolha seja estruturalmente comprometida. Na contemporaneidade, certo estado de cegueira frente à perda de autonomia, dificulta sobremaneira que os indivíduos possam resistir às necessidades de lógica do capitalismo, a industria cultural oferece produtos a todos os tipos de gostos e necessidades, e assim, mesmo os produtos com aparente caráter de protesto são enquadrados nesta lógica de consumo e dificilmente podem ultrapassam os limites permitidos pela industria cultural. Assim, partimos da hipótese de que, apesar de o movimento Manguebeat, ter surgido com a pretensão de ser considerado uma “arte de reação”, essa inserção é problemática, mesmo que, em sua proposta inicial o movimento manguebeat, tenha pretendido articular centro e periferia, relacionar cultura pop e cultura popular, em um circuito energético, capaz de conectar as boas vibrações dos mangues com a rede mundial de circulação de conceitos pop. Entendemos que essa necessidade de inserção na produção pop da época e de se fazer ver pela mídia, fez com que os "manifestantes" se submetessem às regras da indústria cultural, transformando cada vez mais o que de início era uma rebeldia e uma tentativa de mudança em mais uma estandardização e estereotipação tão comuns à indústria cultural.
3- METODOLOGIA
A presente pesquisa está se desenvolvendo através de análise teórica, bibliográfica, aliada a coleta de informações através de entrevistas a serem realizadas com as pessoas que iniciaram o movimento e estiveram envolvidas de alguma forma nele, além da análise das letras de musicas das bandas participantes do movimento, Mundo Livre S/A e Nação Zumbi.
4- CONCLUSÕES
Por se tratar de uma pesquisa em andamento não podemos ainda tirar nenhum tipo de conclusão, qualquer tentativa no presente momento se dará de forma precipitada. A hipótese que temos, retomando o que já foi dito anteriormente, é a de que todo tipo de rebeldia diante da Indústria Cultural é a rebeldia que é dirigida por ela própria, assim os autores do movimento manguebeat tendem a reproduzir uma cena que tantas vezes a Indústria Cultural permitiu, a crítica a ela mesma, pois essa era a necessidade daquelas pessoas naquele determinado momento, e essa necessidade com sabemos não se dá de forma autônoma. Apesar de o movimento manguebeat, ter surgido com a pretensão de ser considerado uma arte de reação, não pode ser assim reduzido, pois já nasce com a pretensão de inserção de inserção na indústria cultural. Essa era a proposta inicial do movimento manguebeat, articular centro e periferia relacionando cultura pop e cultura popular; o objetivo (do movimento) é um circuito energético, capaz de conectar as boas vibrações do mangue com a rede mundial de circulação de conceitos pop.”
5- BIBLIOGRAFIA
ADORNO, T.W. e HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento - fragmentos filosóficos. Tradução: Guido Antônio de Almeida. Rio: Zahar, 1985. O fetichismo da música e a regressão da audição. In: Textos Escolhidos (Os Pensadores). São Paulo, Abril Cultural, 1985.
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