Com valores cada vez mais altos, a fotografia brasileira ganha leilões, feiras e galerias, consolidando de vez o status de arte
Fotos ilustrando este post: coleção "Um passeio no mundo livre" - fotos de celular Motorola by LeoBarros de variadas fontesNo mercado internacional, uma fotografia pode atingir cifras milionárias. O alemão Andreas Gursky é um exemplo.
Presente em museus como o MoMa de Nova York, o Centre Georges Pompidou, em Paris, e a Tate Modern, em Londres, o sujeito já teve um trabalho vendido por R$ 12 milhões. Por aqui, o mercado só agora começa a crescer de fato. Mas os valores já representam uma nova era, em que a fotografia ganhou de vez as paredes das galerias e conquistou o status de arte. Um Miguel Rio Branco, o nome mais caro da nossa safra de fotógrafos contemporâneos (excluindo-se Vik Muniz, artista que usa a fotografia para registrar suas obras), chega a R$ 150 mil. Um Mario Cravo Neto bate R$ 100 mil, valor que deve aumentar com a sua morte, ocorrida no último dia 9. Geraldo de Barros, representante da geração dos anos 40, alcança R$ 50 mil. O paraense Luiz Braga vai a R$ 40 mil.
E jovens fotógrafos, como os badalados mineiros João Castilho, Pedro Motta e Pedro David, custam entre R$ 3 mil e R$ 22 mil. Mario Cravo Neto tem uma importância fundamental nessa história: foi um dos primeiros fotógrafos brasileiros a ter sua obra valorizada lá fora e a trazer para cá a idéia de fotografia como arte.
Fotógrafos como Miguel Rio Branco e Mario Cravo Neto já tinham o reconhecimento de museus, fundações, curadores. Mas não tinham o reconhecimento comercial. Isso vem de muito pouco tempo para cá. Talvez início dos anos 2000 — diz Jones Bergamin, presidente da Bolsa de Arte do Rio de Janeiro.
“Esses fotógrafos são pioneiros que lutaram num mercado adverso. Na década de 70, ninguém pagava por uma fotografia
Nos anos 80, vendia-se muito pouco. Nos 90, começaram a surgir colecionadores. E agora todo mundo quer fotografia. Ninguém mais fala que foto não é arte.
Essa frase já caiu em desuso”.
O mercado nacional está em pleno frenesi, com iniciativas pequenas e grandes derramando por todos os lados. A SP-Arte, a maior feira de arte do Brasil, que acontece anualmente em São Paulo, criou um braço específico só para a fotografia: a SP-Arte/Foto, que está no terceiro ano. A Bolsa de Arte realizou em setembro de 2008 o primeiro leilão de fotografias do país, com a participação de 90 artistas. Segundo a organizadora do evento, Fernanda Feitosa, a separação foi uma consequência da lei da oferta e da procura: as pessoas queriam ver e comprar fotografia e o número de galerias oferecendo o produto cresceu geometricamente.
Sites que vendem fotos, como o recém-criado Arte na Parede, que reúne 21 jovens artistas, se multiplicam pelo país.
E, no Rio, os fotógrafos Bruno Veiga, Ricardo Fasanello, Alexandre Sant'Anna e Ana Stewart, todos oriundos do fotojornalismo, inauguraram esta semana a Galeria/ Estúdio da Gávea, um escritório de arte para a comercialização de fotos. A turma pretende realizar quatro exposições por ano. E, com hora marcada, atender gente interessada em entender e colecionar fotografia. A curadora é Isabel Amado, uma veterana, que trabalhou com Thomaz Farkas, fundador da Fotoptica, nos primórdios da comercialização de fotos, lá nos anos 80.
A organizadora da SP-Arte conta que a feira era exclusiva de artes plásticas:
— Há três anos, identificamos a preponderância do interesse pela fotografia e o crescimento do número de galerias vendendo fotografia. Nós conseguimos então um espaço e iniciamos a SP-Arte/ Foto. Atualmente participam 17 galerias, que comercializam desde coisas históricas até expressões contemporâneas. Costumo dizer que a fotografia migrou do quarto para o corredor e do corredor para a sala de estar — diz Fernanda Feitosa. Na Galeria da Gávea, fizemos uma seleção de 18 nomes para essa primeira exposição.
São quase todos fotógrafos que têm um trabalho de grande valor estético, mas que não mostravam em galerias. Eles apresentam o princípio da arte contemporânea na sua produção — comenta Isabel Amado, citando entre os participantes nomes como Luiz Braga, Antônio Guerreiro, Renan Cepeda, Rogério Reis e Walter Carvalho.
Falar da trajetória da fotografia no mercado de arte é dividir o mundo em dois: aqui e lá fora.
Nos Estados Unidos, a primeira galeria a misturar num balaio só fotos e pinturas surgiu em 1905, em Nova York. Idealizada por Alfred Stieglitz e Edward Steichen, a galeria 291 juntava tudo do que os críticos falavam mal: fotografia, arte moderna, cubismo, dadaísmo etc.. Naquela época, discussões acaloradas já tomavam conta dos chamados foto clubes.
A questão era: foto pode ser arte?
O movimento vigente denominava-se pictorialismo, que começou na década de 1890, congregando fotógrafos europeus e americanos que ambicionavam produzir fotografia artística.
No Brasil, a onda do foto clubismo começou, tímida, no início dos anos 20. O primeiro foto clube importante nasceu no Rio, o Photo Club Brasileiro. A coisa só esquentou, porém, em 1939, com a inauguração do Foto Clube Bandeirante, uma salinha no edifício Martinelli, em São Paulo. A agremiação reuniu nomes como Geraldo de Barros, José Oiticica Filho, Thomaz Farkas e German Lorca.
Lá fora, Man Ray já propunha um rompimento total. Aqui, essas questões modernas chegam com o Foto Clube Bandeirante. Geraldo de Barros foi o primeiro fotógrafo brasileiro a ter um trabalho em Bienal — conta Márcia Mello, uma das donas da Galeria Tempo, no Rio, que abre no dia 9 de setembro uma mostra dedicada a essa fotografia modernista dos anos 40, intitulada "Salão de arte fotográfica".
A turma do Foto Clube Bandeirante questionou a fotografia. Os pontos de vista eram inusitados. Alteravam a questão espacial. Fotografavam de cima, de baixo. A câmera já não estava mais na frente do umbigo, como dizem — arremata Georgianna Basto, sócia de Márcia.
Nos anos 60, com a instauração da ditadura, a fotografia, digamos, autoral saiu de moda. Entrou na onda o fotojornalismo. O grande barato dos fotógrafos era denunciar, captar momentos cruciais, fazer História.
Já na década de 70, artistas plásticos como Rubens Gerchman, Waltercio Caldas, Antônio Dias e Hélio Oiticica apropriaram-se da fotografia. A coisa começou a se misturar, sem fronteiras, sem divisores de águas. Miguel Rio Branco, por exemplo, registrava fotograficamente os trabalhos perecíveis, como as instalações, de Oiticica e Gerchman. Todos viviam em Nova York e bebiam nas modernidades do mercado de lá. Posteriormente trouxeram para cá essa noção contemporânea de arte. No início dos 80, Thomaz Farkas inaugurou em São Paulo a Galeria Fotoptica, a primeira dedicada exclusivamente à fotografia.
Nessa época nenhuma galeria sequer vendia fotos. Segundo Isabel Amado, que militou com Farkas nesse então embrionário mercado, a Fotoptica vendeu Bob Wolfenson, Cláudia Jaguaribe, Juvenal Pereira, Cláudio Edinger, entre outros nomes hoje consagrados.
A primeira fotografia que vendi na galeria já vai fazer aí 25 anos ou mais. Mas de uns três, quatro anos para cá é que o mercado nacional de fato acordou não só para as possibilidades estéticas da fotografia, mas também para o seu valor como investimento — diz Claudio Edinger, cujos trabalhos costumam valer R$ 30 mil.
A Hallmark, por exemplo, começou a colecionar fotos lá nos anos 50. Em 2003, calcularam ter gasto uns US$ 2 milhões com seu acervo. Em 2005, venderam parte, só parte, da coleção para um novo museu em Kansas City por US$ 67 milhões. A fotografia é o que se faz de mais interessante em arte hoje.
A fotografia ralou para ser aceita no seleto mundinho das artes plásticas. E teve também que se adaptar. Duas transformações são importantes nesse cenário: o surgimento da tiragem e a evolução tecnológica e de técnicas de conservação que conferem durabilidade às fotos de pelo menos 150, 200 anos. A noção de tiragem é coisa que apareceu primeiro nos Estados Unidos. Na Europa, existe há menos de uma década.
O que é tiragem?
O artista garante que o trabalho em questão será limitado, o que imprime exclusividade para quem compra.
Normalmente, os grandes nomes fazem tiragens de cinco fotos. É comum encontrar no mercado tiragens de três, cinco e 20. Alguns fotógrafos consagrados, porém, continuam se recusando a violar o princípio da fotografia, que é o da reprodução ilimitada. Sebastião Salgado, por exemplo, o fotógrafo brasileiro mais conhecido no mundo, não faz tiragem. E, por isso, vende mais barato do que outros nomes menos conhecidos.Uma foto dele custa em torno de R$ 30 mil.
Márcia, da Galeria Tempo, explica as noções de valor:
A tiragem é uma exigência do mercado de arte. Na minha opinião, se você gosta de um fotógrafo, não vai deixar de compra-lo porque o trabalho tem mais de três, cinco cópias. Tem um francês, o Marc Riboud, que diz que quanto mais uma imagem dele vende, mais caro ela custa. Só que colecionadores não compram foto sem tiragem. Quem compra é quem vai pela emoção, sem pensar em valorização, mercado.
Outra coisa que vale muito é o que se chama de foto vintage, a impressão feita na época que o fotógrafo a clicou. O Geraldo de Barros vintage custa cerca de R$ 79 mil.
Uma impressão nova da mesma imagem custa cerca de R$ 8 mil. É o fetiche do mercado.
Silvia e Juliana Cintra, da Galeria Silvia Cintra, representantes de Miguel Rio Branco, dizem que a tiragem, apesar de limitar, tem a função, ao mesmo tempo, de tornar uma obra quase exclusiva acessível:
— Se o Rio Branco fosse um pintor, um trabalho dele custaria uma fortuna. Como faz tiragem de cinco, fica mais acessível. No Brasil, todas as cópias de um mesmo trabalho custam igual. Normalmente, um artista bacana faz cinco cópias e duas provas do autor. As PAs, como chamamos, são mais caras — comenta Juliana. — Nos Estados Unidos, é diferente. A primeira cópia é muito mais barata do que a última. Vai encarecendo progressivamente, porque vai ficando cada vez menos disponível.
Tecnicamente falando, a turma entendida de fotografia fala em papel de algodão, jato de tinta, durabilidade de até 200 anos. O Instituto Moreira Salles é hoje uma referência em termos de preservação de fotos. O acervo do IMS já bateu 600 mil imagens, com obras completas de fotógrafos do século XIX como Marc Ferrez, e também obras completas de artistas modernos como Thomaz Farkas, Otto Stupakoff e Maureen Bisilliat.
Nos domínios da casa da Gávea, foi erguido um prédio de três andares climatizado e preparado para abrigar o precioso arquivo. O lugar conta com um laboratório superequipado, que começou recentemente a fazer tiragens limitadas e numeradas dos artistas adquiridos pela instituição. O curador é Sérgio Burgi, um especialista quando o assunto é a parte técnica da fotografia. Segundo ele, a grande revolução dos últimos tempos foi o surgimento do chamado fine art. digital printing, um processo de impressão baseado em jatos de tinta.
— Estamos falando de pigmentos de tinta e papel de qualidade. Tem que haver uma conjugação para garantir a conservação. Mas existem fotógrafos muito famosos, como o Andreas Gursky, que ainda produzem usando processos analógicos tradicionais com durabilidade de 80 anos — comenta Burgi.
É responsabilidade do galerista indicar o processo técnico de cada tiragem. Nós, no Instituto Moreira Salles, damos um certificado informando exatamente como aquela foto foi ampliada.
Diante de toda essa trajetória, da adequação da fotografia ao mercado de arte, dos preços astronômicos pagos hoje por uma imagem, nós, os leigos, ficamos encasquetados com uma pergunta clichê, talvez démodé: quando fotografia, afinal de contas, é arte?
Fotografia antropológica, de moda, documental, artística, todos os aspectos da fotografia estão sendo incorporados pela arte. A grande novidade hoje é justamente isso: tudo o que é bom pode ir para uma galeria. E tudo vende — diz Márcia, da Galeria Tempo. A fotografia que está nas galerias se divide em duas vertentes: o artista que pensa e trabalha fotografia e o artista que usa a fotografia como suporte, como registro de uma escultura, uma instalação, uma obra que em si é perecível, como Vik Muniz.
Não existe hoje uma coleção de arte contemporânea que não tenha foto. Muita coisa boa está sem feita em foto ou com foto — comenta Juliana Cintra, da Galeria Silvia Cintra. O que acho mais interessante hoje é a inserção da fotografia não-manipulada, da fotografia que se baseia no princípio fundamental da documentação, no mercado de arte. A fotografia calcada em elementos da tradição fotográfica, com pequenas sutilezas, se insere nas artes plásticas, sem abandonar suas características primordiais — comenta Burgi, do Instituto Moreira Salles.
Eu não gosto de pinceladas de luz. Isso não me interessa. O que me interessa é o documental, a narrativa, o movimento do vivo, que através da linguagem do artista ganha um caráter estético. Gosto disso que chamo de uma evolução do fotojornalismo — aposta a curadora Isabel Amado.
Eu acho que fotografia, desde que tenha qualidade técnica e um olhar interessante, pode estar em uma galeria — avalia o diplomata Joaquim Paiva, dono de um acervo de 2.600 imagens, a maior coleção particular de fotografia do país, que comprou sua primeira foto, um Miguel Rio Branco, em 1978. Imagine o seguinte: acabou o romantismo, acabou a era clássica da pintura. Começa o impressionismo. Esse é o momento que vivemos na fotografia. A partir do impressionismo, surgiram todas as escola de pintura que conhecemos hoje. Agora começam a surgir todas as escolas de fotografia, indo nas direções mais diversas — compara Cláudio Edinger.
A priori, fotografia de arte é quando o autor diz que é arte.
O público, a crítica, o galerista pode dizer: isso é bom, isso é ruim, isso é mais ou menos. Mas quem fala se é arte ou não é o artista — resume Eduardo Brandão, dono da Galeria Vermelho, de São Paulo.
* Colaborou Alessandra del Bene
O `ranking' da Bolsa de Arte*
1. Vik Muniz (R$ 5 mil a R$ 300 mil) 2. Miguel Rio Branco (R$ 5 mil a R$ 150 mil) 3. Caio Reisewitz (R$ 5 mil a R$ 120 mil) 4. Mario Cravo Neto (R$ 5 mil a R$ 100 mil) 5. Artur Omar (R$ 10 mil a R$ 50 mil) 6. Geraldo de Barros (R$ 5 mil a R$ 50 mil) 7. Luiz Braga (R$ 8 mil a R$ 40 mil) 8. Júlio Bittencourt (R$ 5 mil a R$ 35 mil) 9. Claudio Edinger (R$ 10 mil a R$ 30 mil) 10. Iata Canabrava (R$ 5 mil a R$ 15 mil)
* Inaugurada em 1970 para ativar o mercado de arte brasileira através de leilões, a Bolsa de Arte do Rio de Janeiro realizou, no ano passado, o primeiro leilão só de fotografias do país
O `ranking' do colecionador*
1. Alair Gomes 2. Claudia Andujar 3. Cristiano Mascaro 4. Eustáquio Neves 5. José Medeiros 6. Mario Cravo Neto 7. Miguel Rio Branco 8. Rosângela Rennó 9. Sebastião Salgado 10. Walter Firmo
* Os preferidos de Joaquim Paiva, o maior colecionador de fotografia do Brasil
Por Karla Monteiro - Fonte: http://www.globo.com
Desculpe-me, amigo, mas sua fotografia não é boa
Ou não e tão boa quanto crê ou quanto lhe dizem ser…
Embora seja algo chocante isso dito acima, é a realidade e é aplicável à imensa maioria das fotografias que circula na rede em Flickr, fóruns, etc, que são mostradas e louvadas como boas fotografias.
É bastante interessante como a fotografia digital estipulou requisitos diferentes para uma fotografia ser considerada boa. São tantas fotografias que vemos todo dia e muito poucas destacam-se da massa, muito poucas deixam rastros em nossa memória. Ao contrário, essa massa termina por engolir e soterrar fotos que são, afinal, boas em muitos sentidos, têm boas cores, são tecnicamente corretas, nítidas, bem expostas, mas são mais uma entre tantas parecidas.
Recentemente, em um debate em um fórum de fotografia, excelentes fotografias feitas na década de setentaforam usadas como exemplo na conversa que se levava, algumas magníficas fotografias de futebol foram consideradas pelos debatedores menos boas, até mesmo ruins. Por que? Porque o filme rápido usado na época exibia grãos – e hoje detesta-se ruído. Porque as fotos não estavam perfeitamente em foco ou os movimentos perfeitamente congelados – e hoje existe foco contínuo e ISOs altos “limpos”. O que elas tinham de extraordinário foi ignorado pelos debatedores, foi soterrado pela visão atual na qual certas características técnicas muito dependentes da tecnologia embarcada na câmera são colocadas na frente de outras tantas características autorais, da força da imagem, sobretudo, de sua narrativa.
A palavra autoral, alias, é entendida de forma muito peculiar. É atribuída àquelas fotografias nas quais o fotógrafo, quando profissional, faz tentando ser artista, esquecido que a arte na fotografia é sempre completamente dependente do refinamento de seu discurso por imagens, não de uma atividade especial “artística” apartada de sua produção normal. Hoje vemos as fotografias do Doisneau feitas para a Renault e achamos nelas a graça e a arte do Doisneau, o traço inconfundível de seu discurso visual. São fotografias publicitárias, mas nelas há a inconfundível força da fotografia que encontramos no O Beijo. São fotografias publicitárias e são autorais, são claramente emergentes de uma visão fotográfica particular. Não há dicotomia: são ao mesmo tempo publicitárias e autorais.
Contudo, parece que na produção normal atual essa abordagem pessoal, essa visão pessoal, essa autoria é desnecessária e até evitada. A autoria, a abordagem autoral é vista, parece, como uma função de um computador que se pode habilitar ou desabilitar. O fotógrafo funcionaria em dois “modos”: o modo profissional e o modo autoral, e nesse último ele “pega uma compacta ou câmera de filme e sai por aí dando vazão ao fotografar que realmente gosta”. Naturalmente não é assim, pois pessoas não são computadores, ou quando fazem-se de máquinas sacrificam algo de si, e a autoria reprimida pelo anseio de produzir algo perfeitamente dentro dos cânones da estética banal dos meios de comunicação de massa termina por contaminar toda a produção. Não existe o “modo autoral”. Ou se é autor sempre, ou nunca.
Dorothea Lange produziu sua fotografia trabalhando. E a produziu porque não se limitou a fazer o que lhe foi encomendado. Não deixou sua humanidade em casa nem vestiu a camisa de perfeito funcinário da câmera. Fez o que lhe foi encomendado de uma forma única.
Mas tão poucas fotos vemos onde há discurso visual definido, que o o correto, o corretíssimo seria dizer o dito no título deste artigo: “sua fotografia não é boa”. Isso significando que ela não é nada além do comum, além daquilo que olhamos e esquecemos, que preenche o lugar do discurso visual clichê onde nenhum ponto de vista do autor se percebe. Não significa ela não ser bem feita e também contar um sem número de perfeições técnicas. Significa apenas não ser nada além daquilo que se vê toda hora.
Alguns sinais distintivos podem ser citados para saber se as fotos destacam-se do resto.
O primeiro, refere-se à trajetória do autor. “As fotos de fulano, têm um quê particular, característico dele?” Isso não significa serem perfeitas. Aliás, é irrelevante serem perfeitas a menos que o gênero exija perfeição. Significa haver nas fotos de fulano um depoimento visual característico e forte suficientemente para nos lembrarmos dele. Significa que suas fotos são um depoimento a partir de sua forma de ver o mundo.
O segundo sinal refere-se ao aprofundamento em algum assunto. Isso não é um exato sinônimo do sinal anterior, embora seja coisa parecida ou ocorra junto muitas vezes, pois também há fotógrafos que têm fixação em um tema mas apenas produzem os clichês do assunto, mesmo quando muito bem feitos.
Porém, significa que, dentro do ethos da fotografia, o autor procura seus espaço autoral fazendo fotografia, fazendo a fotografia de seu gênero de predileção ou de trabalho, e não tentando fazer arte. Fazer arte não faz parte do ethos da fotografia, hoje estou convencido disso. Mas manifestar um discurso visual de autor sim. Não existe fotografia de boa qualidade sem essa manifestação de autoria. A arte? Essa pode ser identificada à posteriori, mas na fotografia nunca será a mesma arte das Artes Plasticas, e quando se tenta fazer atrtes plásticas pela fotografia não é mais fotografia. A fotografia torna-se tão somente meio, e a produção ignora a questão fotográfica mesma.
É preciso lembrar que o Ansel Adams apenas tentou produzir boas paisagens. Chamar sua produção de arte é ato posterior de terceiros e isso não orientou sua produção.
Assim, o fotógrafo equilibra-se , consciente ou inconscientemente, entre dois grandes perigos, entre duas anulações. De um lado, a anulação da autoria, do outro a anulação da fotografia. De um lado ele é puro funcionário do dispositivo (Flusser), um repetidor de imagens médias do universo de imagens contemporâneas. Do outro ele é artista plástico que usa a fotografia, pois perdeu sua conexão com o ethos da fotografia.
Talvez a coisa mais importante seja distinguir entre a boa fotografia e a fotografia meramente correta. Essa distinção pode ser impossível para o iniciante, mas é essencial mais além. Quem não distingue ficará retido em um nível onde será louvado exatamente pelo cumprimento de modelos, não por sua narrativa por imagens, por seu depoimento através da fotografia. Quem é prisioneiro de todas as opiniões nada cria, e quem não leva nenhuma em consideração torna-se alienado do mundo. Mas não há muito como fugir do fato de que, para se produzir fotografia autoral no bom sentido, qual seja, produzir fotografias que atendendo ao seu propósito expressem também uma visão de mundo definida, é preciso em grande dose saber quais as opiniões deve-se ouvir, e saber quando não se deve ouvir opinião alguma.
A criação fotográfica em algum momento nos remeterá àquela nossa solidão essencial, e termos de, diante de uma fotografia que não atende perfeitamente a ideia de boa fotografia afirmá-la como obra e dizer: esta é a minha fotografia! Aqui estou dizendo algo, algo de minha maneira de ver a existência. E sustentar essa afirmação contra o mundo que cobrará dela o cumprimento de modelos. Nesse momento, o criador estará sozinho contra um mundo hostil, tão mais hostil quanto maior for o afastamento entre a sua criação e os modelos normais.
O criador terá razão ou apenas estará tomado por um sonho alienado? Para isso não há resposta. É uma resposta que será dada pelo tempo, pela aceitação gradativa de suas fotos. E não necessariamente a aceitação provirá dos meios fotográficos com que convive.
Ou se aceita isso, ou apenas se fará a fotografia do funcionário do aparelho, aquela que será muito bem aceita e louvada, mas esquecida.
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